Ícaro, uma verdade inconveniente

Sérgio Xavier

Todo mundo que trabalha com esporte deveria ver esse documentário. Todo mundo que gosta de jornalismo precisa ver esse filme. Todo mundo que estuda geopolítica não pode deixar de ver a obra. Estou falando de Ícaro, maravilhoso documentário que já está disponível no Netflix.

O filme começa de um jeito e termina de outro. A primeira ideia do documentarista Bryan Fogel era contar uma história de doping. Ciclista amador da pesada, ele queria resgatar a trajetória trapaceira de Lance Armstrong. Procurou Don Catlin, chefe do Laboratório Olímpico da Universidade da Califórnia, que tinha testado mais de 50 vezes a urina de Lance… e não havia encontrado qualquer sinal de doping. Fogel queria que Catlin o ajudasse na missão de pedalar bombado e não ser pego. E o filme até começa assim, só que o cientista dá pra trás e apresenta o documentarista a um amigo das antigas, o divertido Grigory Rodchenkov. Aí muda tudo…

Rodchenkov é o chefe do laboratório de Antidopagem da Rússia, mas se mostra mesmo um tremendo expert em trampas. Ele logo simpatiza com Fogel e o introduz ao submundo do doping. Na sequência, em novembro de 2014, é denunciado pela TV alemã ARD como o cabeça do esquema de doping russo. Aí o filme passa a ser sobre isso. Ameaçado em seu país, Rodchenkov resolve colaborar com a Justiça americana e oferece preciosas informações sobre o esquemão. O Atletismo russo é banido das Olimpíadas do Rio e a Rússia é excluída dos próximos Jogos de Inverno muito em cima do que contou Rodchenkov.

O filme é maravilhoso. Uma aula de jornalismo, de TV, de narrativa. Apesar da gravidade dos fatos, é divertido porque Fogel é bem humorado e Rodchenkov se mostrou uma figura cômica. Mais do que tudo, no entanto, o filme é um adeus às ilusões. Fica evidente que o doping sempre vencerá o anti-doping. O gato vai correr, correr, correr e o rato vai sempre conseguir fugir. No filme, fica claro que o doping é decisivo no esporte de alto rendimento. Ele, fundamentalmente, “vale o risco”.

Vendo Ícaro, me lembrei da discussão sobre doping nos Jogos Olímpicos do Rio no ano passado. Fiquei quase isolado nos debates por defender a exclusão de todo o time russo (não só do Atletismo) das Olimpíadas. Minha tese é que por se tratar de um caso de “doping de Estado” seria fundamental uma punição exemplar, radical mesmo.

Nesse caso, o exagero seria menos maléfico do que a omissão. Ah, mas pode ter algum atleta russo limpo? Segundo Rodchenkov, ao menos 50% da turma estava turbinada, nunca teremos certeza de quem era inocente. Nossa certeza é que os comandantes são culpados e trapaceiros. E que todos os atletas de outros países que competiram limpos estavam em desvantagem. Não era apenas a turma do Atletismo que trapaceava, o presidente russo Vladimir Putin sabia e sabe de tudo. Quantos ouros russos no Rio não estão manchados?