Lei de Murphy nos pipocas
O americano Derek Murphy é uma celebridade da corrida nos Estados Unidos. Não exatamente pelos seus feitos nas pistas, ainda que tenha sido um bom maratonista amador. Conquistou sua fama por um outro talento. Com seu blog, o “Marathon Investigation”, ele virou o terror dos picaretas da corrida.
Analisando tempos, fotos e históricos de atletas, ele detecta as mais variadas fraudes em provas de rua. Gente que corta caminho para terminar antes, atletas que trocam números de peito para melhorar resultado, são muitos os casos desmascarados por Murphy.
Ele desconfia quando percebe amadores com performances extraordinárias, checa parciais dos trechos das provas, confere fotos. Assim, se tornou um grande parceiro dos organizadores que aproveitam seu faro investigativo para banir atletas desonestos.
Derek Murphy provavelmente teria trabalho dobrado se desembarcasse no Brasil com sua obsessão pela “corrida limpa”. A fraude dos números de inscrição clonados revelada pela Folha na São Silvestre está longe de ser um caso isolado no país.
Na última edição da prova paulistana, ao menos 12 pessoas com camisetas da equipe de corrida Run Up de Sorocaba participaram da competição usando um mesmo número de inscrição: 23023. Imagens de diferentes pessoas com a mesma identificação foram postadas em comunidades de corredores amadores no Facebook.
A reportagem mostrou que não é a primeira vez que membros da equipe paulista utilizam números de identificação clonados na São Silvestre. Imagens mostram que a mesma trampa foi feita em 2014, 2015 e 2016. De uma certa forma, os penetras são tolerados no universo da corrida brasileira. Até o atleta que paga a inscrição corretamente e se dá ao trabalho de buscar o kit da prova na véspera do evento acha tudo normal. Alguns até correm lado a lado com o “pipoca” batendo papo. Acontece na São Silvestre e em todas as provas de rua pelo Brasil.
Quem se inscreve numa corrida, e eventualmente não pode participar dela, acaba cedendo seu número de inscrição para um amigo. Parece que a falsidade ideológica não é uma questão no Brasil.
A própria São Silvestre se viu numa outra cilada. Ao oferecer um desconto de 50% para atletas com mais de 60 anos, a organização acabou involuntariamente estimulando um outro golpe: o vovô se inscreve e quem corre é o netinho safadinho.
O caso da clonagem de número de peitos é patético por conter premeditação, produção, pilantragem semiprofissional. Nos espantamos com isso, mas achamos aceitável corredores pipocas dividirem espaço com quem pagou, não vemos problemas maiores nos que furam filas para se posicionar melhor na largada ou correm com um número de peito de outro nome.
Como o companheiro Murphy sugere, o brasileiro não é pior do que o americano na essência. A diferença, talvez, é que a sociedade de lá se mostra bem menos tolerante aos deslizes éticos do que a nossa.