O hippie da corrida

Sérgio Xavier

Sou como um hippie trabalhando em uma grande corporação. Enquanto todos capricham nos ternos, gravatas e sapatos lustrados, eu vou de bata. E sandália aberta, escancarando aquela unha estranha. Os cabelos no escritório são bem cortados, bem tratados. Aqui não, é cabelo largado, ressecado pelo sol e pela falta de cuidados. Calma, é só uma metáfora. Não sou assim. Mas é assim que me sinto.

Convivo na tribo dos corredores. Falamos de treinos, corridas, motivação, lesões e… nutrição. Aí começa o meu problema. Sou um desajustado social. Na sociedade da corrida, viro um hippie de multinacional quando o papo envereda para nutrição. “E aí, o que a nutricionista te deu para antes dos treinos?” É nesse instante que eu pigarreio, falo sobre a baixa unidade do ar, finjo atender o vibracall do telefone. Nutre o quê? Não, meu senhor, eu nunca fui a uma nutricionista. Nos check-ups obrigatórios aqui da firma, sou obrigado a “passar” (nunca entendi esse verbo sempre usado entre os profissionais da saúde) pela nutricionista. Geralmente minto quando “passo” por lá. Come agrião? Sempre. Costuma tomar refrigerante? Ah, só de vez em quando. Fruta na sobremesa? Ah, muuuuiiitas vezes. Depois da ficha preenchida, elas descobrem que falta ferro, zinco, cádmio, nióbio ou um desses elementos químicos que eu decorava na tabela periódica da escola. E me prescrevem um cardápio. Que eu guardarei na sexta sessão de meu escritório. Na cesta do lixo.

Mas estou cansado de ser um bastardo nutricional. Queria entrar na linha. Sempre como um pãozinho antes dos treinos, tento repor depois o que perdi, mas nada muito além disso. E com comida de verdade, zero de suplementação, zero de ciência. Sempre achei divertido e maravilhoso poder comer o que der na telha, claro que com a responsabilidade de quem já foi gordinho e sabe como é fácil passar de papa do esporte para pipa. Sempre gostei dessa doce inconsequência de achar que a corrida me libera para a esbórnia nutricional. O tempo passa, e vejo que não é bem assim. Quero tentar entrar na linha. Só não prometo botar fora meu estoque de bananinha Paraibuna que espalhei pelo quarto, escritório, porta-luvas do carro, mochila e outros esconderijos que não conto, não conto, não conto.