Don de sofrer

Prepare-se, vai doer. A história que vem a seguir é dolorosa até para ler, e saiu dia desses no New York Times. Tim Don é o recordista mundial do Ironman, tem impressionantes 7h40min23 nos 3,8 km de natação, 180 km de bicicleta e 42 km correndo. Pois há seis meses, treinando para o Ironman, ele foi atropelado quando pedalava. Quase morreu. Teve a chamada “fratura do carrasco”, a ruptura da vértebra C2 que costuma ser encontrada em quem morre enforcado. Apesar da gravidade da lesão, tem jeito. Uma cirurgia é capaz de fundir as vértebras e permitir uma vida normal depois. Quer dizer, quase normal. Haveria alguma limitação na amplitude do pescoço e a carreira de atleta profissional precisaria ser interrompida. Nada tão dramático, já que ele está com 40 anos. A outra alternativa seria bem penosa. O texto ficará especialmente doído no próximo parágrafo.

Don poderia se submeter a uma “auréola”, uma dessas soluções ortopédicas com jeitinho de Idade Média. Com a palavra, o médico de Don, que falou ao New York Times. “É uma experiência miserável, mas é a melhor opção para uma recuperação completa sem limitações a longo prazo. Você pega pinos de titânio e enrosca-os no crânio, dois na frente e dois na parte de trás, e os prende a barras de metal, que prendem a um busto que você usa por três meses e não pode tirar. É tortura pura. Mas funciona.”

Doeu, mais ainda porque ele deu um jeito de treinar mesmo ainda com a auréola. O tratamento funcionou. E, depois da história doída, o desfecho. Não satisfeito em se recuperar, Don acelerou o treinamento para poder correr uma maratona. Nessa segunda-feira, o triatleta larga na Maratona de Boston, e não apenas para completar a prova. Ele pretende sentar a bota, tentará fechar a complicada maratona em 2h50 minutos, mais ou menos o que costuma fazer quando corre maratonas dentro do Ironman. Diante de um relato desses, fica difícil arrumar desculpa esfarrapada para ficar na cama e adiar o treino de logo mais.