A estética do frio

Sérgio Xavier

Conversa entre irmãos.

— Resolvi correr hoje. Corri às cinco pra fugir do frio.
— Eu também. Corri às cinco. Mas às cinco da manhã…

O primeiro irmão sou eu, em uma passagem por Porto Alegre para lançar o livro “Boston, a mais longa das maratonas”. O segundo irmão é o professor Filipe, que só tem a primeira beirada da jornada para botar sua corridinha em dia. Correr tão cedo para ele não é uma opção, é o que dá. Na minha rotina maluca, com dias geralmente diferentes uns dos outros, encaixo os treinos combinando vários fatores. Prefiro correr cedo, não excessivamente cedo. Algo como sete da matina é o ideal. Só que, por esses dias, Porto Alegre anda oferecendo algo como sete graus de temperatura no meu horário preferencial. Por isso, realoquei meu treino para o fim da tarde, com o último solzinho do dia aquecendo o corpo, aí já mais próximo dos 16 graus. Melhor.

Melhor, mas fiquei com inveja do meu irmão. Ele saiu, sabe-se lá como, do conforto das cobertas, calçou o tênis e partiu para o trote pelo centro de Porto Alegre cedíssimo. Isso que é treino, pensei eu, sem saber o motivo da admiração. Aí me lembrei de um texto do músico pelotense Vítor Ramil chamado “A estética do frio”. Recomendo, eis aqui (http://www.vitorramil.com.br/textos/Vitor_Ramil_-_A_Estetica_do_Frio.pdf). É sobre um certo fascínio que muitos gaúchos têm pelas “coisas do frio”. Geada, chimarrão, blusas quentes, vinho, há uma beleza nisso tudo. A impressão é que no frio todos ficam mais elegantes. Os gaúchos vibram quando as temperaturas despencam. Disfarçam, “bah, amanhã vai fazer três graus, que horror”. Mas comemoram, se orgulham desse momento europeu do ano.

Desde pequeno me identifico com isso. Até os 20 anos, tinha ido uma única vez a São Paulo e Rio de Janeiro. Mas já tinha dado um jeito de viajar quatro vezes para Buenos Aires. O texto do Vítor Ramil resgata aspectos históricos e aborda, claro, o lado mais artístico do fenômeno. Ele se conectou com uma série de músicos argentinos e uruguaios como Jorge Drexler nesse movimento cultural chamado “A estética do frio”.

Tudo parece fazer o maior sentido. Menos a inveja pelo treino do meu irmão que passou um frio desgraçado.