Correria https://correria.blogfolha.uol.com.br Mon, 19 Nov 2018 15:21:45 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Você me representa, Yuki https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/04/17/voce-me-representa-yuki/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/04/17/voce-me-representa-yuki/#respond Tue, 17 Apr 2018 12:47:38 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/04/IMG_1890-320x213.jpg http://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=138 Foi como Gustavo Kuerten surgindo do nada pra ganhar Roland Garros. Foi como o minúsculo Leicester vencendo um Campeonato Inglês que é dominado por três ou quatro clubes bilionários. Quer saber? Não é nada disso. Não há paralelos. A façanha do japonês Yuki Kawauchi não encontra qualquer elemento de comparação.

O mundo das grandes maratonas está pequeno hoje em dia. Cabe todo em dois únicos países, Quênia e Etiópia. Eles e elas ganham todas. Ou com seus passaportes originais ou com o documento do país que se naturalizaram. Kawauchi subverteu isso e espantou o planeta. Nunca antes um amador fez o que ele fez. O japonês é administrador de uma escola em Saitama, no Japão. Treina apenas uma vez por dia. De vez em quando, corre fantasiado de panda. Sua planilha é estranha, pra dizer o mínimo. Corre em um ritmo confortável (12 km/h) cinco vezes por semana. Em um único dia, faz treinos intervalado de velocidade. No sétimo dia, encara subidas e descidas em trilhas. Seu volume semanal é alto para amadores (150 km semanais) e baixo para atletas de elite.

A estranha planilha semanal de Kawauchi

 

Pois Yuki Kawauchi venceu a principal maratona do mundo. Boston, em um dia congelante, se rendeu ao ímpeto do japonês maluco que corre balançando os braços e desperdiçando energia. Chovia, fazia frio e ventava forte. A umidade do ar ficava perto de 100%, a turma literalmente respirava água. Kawauchi já havia vencido maratonas menores e tinha um respeitabilíssimo 2h08min no currículo. Era um fenômeno antes de a prova começar. Mas, quando Boston terminou, já se tornara lenda. Ele correu com nove atletas mais rápidos e campeões. Era quase uma certeza que um africano venceria a prova. Talvez um americano, vá lá. Não um japonês, jamais um amador.

Yuki Kawauchi fez uma prova tão doida quanto doída. Largou feito um animal desembestado. No primeiro quilômetro, em descida, tascou 2min46. Suicida ou débil mental? Depois foi ultrapassado, claro, pelo queniano Geoffrey Kirui, vencedor do ano passado, que abriu um minuto e meio de vantagem. O japonês não desistiu, se manteve na prova, suportando sabe-se lá quantas dores. A alta umidade e o vento contra tornaram a prova lenta, todos corriam menos do que de costume. Kawauchi percebeu que o líder tinha problemas e foi para cima. Ultrapassou o queniano no final e o venceu. Chamá-lo de zebra é pouco. Amadores não ganham de profissionais em grandes provas que rendem grana pesada e prestígio.

Boston completou 122 anos de vida. Lá já se viu de tudo. Um trem interrompendo a prova, grandes campeões, duelos ao sol, mulheres desafiando a soberba masculina, calorão e mortes, neve e resiliência, recordes soprados ao vento, bombas e solidariedade. Nunca se tinha visto o amadorismo vencer o profissionalismo. Yuki Kawauchi é, de certa forma, como qualquer um de nós. Um apaixonado pela corrida que arruma tempo para treinar antes ou depois da jornada de trabalho. Ele nos representa.

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Final de Copa https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/04/14/final-de-copa/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/04/14/final-de-copa/#respond Sat, 14 Apr 2018 14:03:57 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/04/IMG_3327-320x213.jpg http://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=129 Deu um trabalhão, mas saiu. Oito anos tentando o índice, mais de 10 mil quilômetros rodados em treinos. Um pouco de sangue derrramado em quedas, hectolitros de suor produzido e alguns mililitros de lágrimas quando a meta foi alcançada. O sonho de correr a Maratona de Boston se materializou em uma linda edição de 200 páginas com o azul e o amarelo da prova dando o tom geral. “Boston, a mais longa das maratonas” está impresso e disponível em livrarias, na Amazon, no site da editora, a Arquipelago.com.br. O lançamento foi em São Paulo, no dia 10 de abril, amigos e desconhecidos me lembraram como valeu a pena todo esse esforço para participar da mais tradicional maratona do planeta.

Achei que conquistar o índice, correr a prova e lançar o livro fechavam esse ciclo emocional. Mas não acabou. Nessa segunda-feira, a partir de 10h30 da manhã, o Sportv 2 transmite a maratona com a narração do maluquinho estudioso Sérgio Arenillas e os comentários do imenso Lauter Nogueira.

Recebi radiante a notícia que também estarei nos comentários de um evento que mexeu com minha vida nos últimos oito anos. Foi como ganhar a credencial de uma final de Copa do Mundo, e isso já aconteceu três vezes comigo. Na verdade, foi mais. Participar da transmissão dessa prova mexe muito mais. Sei que virão as emoções da largada, das passagens, da obsessão por poder participar, das conversas com todos os personagens que entrevistei. Lembrarei dos grandes duelos do passado, da luta dos sobreviventes do atentado de 2013, das histórias pouco conhecidas, de tudo.

É evidente que Lauter não perderá o foco da disputa pela ponta, virá com aquelas contas doidas dele projetando tempos, trará informações preciosas dos atletas. Para ele, Boston, como Nova York, Londres e Berlim, é um grande palco do atletismo mundial. Para mim, a percepção é diferente. Estou com 13 maratonas completadas, já cobri provas, grandes eventos, estive na maratona olímpica de Londres, fiz um montão de coisas. Mas Boston é uma emoção particular. E emoção não se explica, se vive, se aproveita. Segunda-feira, a partir das 10h30 no Sportv 2.

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Don de sofrer https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/04/13/don-de-sofrer/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/04/13/don-de-sofrer/#respond Fri, 13 Apr 2018 17:24:21 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/04/IMG_5581-320x213.jpg http://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=133 Prepare-se, vai doer. A história que vem a seguir é dolorosa até para ler, e saiu dia desses no New York Times. Tim Don é o recordista mundial do Ironman, tem impressionantes 7h40min23 nos 3,8 km de natação, 180 km de bicicleta e 42 km correndo. Pois há seis meses, treinando para o Ironman, ele foi atropelado quando pedalava. Quase morreu. Teve a chamada “fratura do carrasco”, a ruptura da vértebra C2 que costuma ser encontrada em quem morre enforcado. Apesar da gravidade da lesão, tem jeito. Uma cirurgia é capaz de fundir as vértebras e permitir uma vida normal depois. Quer dizer, quase normal. Haveria alguma limitação na amplitude do pescoço e a carreira de atleta profissional precisaria ser interrompida. Nada tão dramático, já que ele está com 40 anos. A outra alternativa seria bem penosa. O texto ficará especialmente doído no próximo parágrafo.

Don poderia se submeter a uma “auréola”, uma dessas soluções ortopédicas com jeitinho de Idade Média. Com a palavra, o médico de Don, que falou ao New York Times. “É uma experiência miserável, mas é a melhor opção para uma recuperação completa sem limitações a longo prazo. Você pega pinos de titânio e enrosca-os no crânio, dois na frente e dois na parte de trás, e os prende a barras de metal, que prendem a um busto que você usa por três meses e não pode tirar. É tortura pura. Mas funciona.”

Doeu, mais ainda porque ele deu um jeito de treinar mesmo ainda com a auréola. O tratamento funcionou. E, depois da história doída, o desfecho. Não satisfeito em se recuperar, Don acelerou o treinamento para poder correr uma maratona. Nessa segunda-feira, o triatleta larga na Maratona de Boston, e não apenas para completar a prova. Ele pretende sentar a bota, tentará fechar a complicada maratona em 2h50 minutos, mais ou menos o que costuma fazer quando corre maratonas dentro do Ironman. Diante de um relato desses, fica difícil arrumar desculpa esfarrapada para ficar na cama e adiar o treino de logo mais.

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“Més que un marató” https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/03/13/mes-que-un-marato/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/03/13/mes-que-un-marato/#respond Tue, 13 Mar 2018 11:41:03 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/03/IMG_1795-320x213.jpg http://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=122 Éramos 45. Apenas 45 brasileiros em uma maratona que ainda não entrou no radar verde amarelo. Para se ter uma ideia, na última maratona de Chicago eram 956 maratonistas brasileiros inscritos. Sim, Chicago vale muito a pena, tremendo evento, percurso plano, possibilidades múltiplas de diversão na cidade. O curioso é Barcelona não ter entrado ainda na lista de desejos dos maratonistas do Brasil.

Desnecessário falar da capital da Catalunha como destino turístico. História, belezas naturais, comidas, arquitetura e Messi, não faltam atrações na cidade. Vale falar é da Maratona de Barcelona que completou 40 anos no domingo, 11 de março. Brasileiros costumam ir atrás de Nova York, Chicago, Berlim, Paris, Boston, Londres, Amsterdam e Buenos Aires. Barcelona não aparece nessa relação, talvez por falta de informação.

Muita gente imagina que a Maratona de Barcelona é uma encrenca só. A turma pensa em Ramblas, rampas e montanhas para subir. E ela é praticamente plana. Pequenas inclinações, leves subidas e descidas. E belezas. Uma prova de 20 mil participantes que faz questão de passar pelas obras de Gaudí, seus principais prédios e sobretudo a extraordinária Sagrada Família.

Um percurso que contempla o Camp Nou, o estádio do Barcelona, as principais avenidas do centro, a linda Vila Olímpica de 1992 e o mar. O público é presente e extremamente carinhoso. Nos meus momentos de fraqueza, a turma tentava me convencer a não parar de correr, tudo com carinho. Organização impecável, hidratação a cada 2,5 km, com direito a gel em três pontos. Temperatura próxima do ideal, entre 10 e 17 graus, o que mais um maratonista pode querer?

De minha parte, só queria um refil muscular a partir do quilômetro 35. Foi só o que me faltou. Meu ciclo de treinos foi imperfeito, tive uma contratura no posterior direito e perdi quase um mês de treinos. Faltou volume de treino, sabia disso. Corri até onde deu. Até o quilômetro 35, realmente me diverti, corri num ritmo agradável que me projetava uma prova para 3h34, excelente para as circunstâncias. A partir dali, tive que negociar com as pernas, músculos e cabeça. Precisei caminhar em alguns trechos e terminei em 3h49 também satisfeito pelas circunstâncias.

Barcelona vale a pena sempre, em todos os sentidos. Até para correr forte. Pelo conjunto da obra, dá tranquilamente para colocá-la entre as maratonas mais legais do planeta. O lema em catalão do clube Barcelona é “Més que un club”, ou “Mais que um clube”. Para a maratona, não seria exagero adaptar a expressão para “Més que un marató”.

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