Correria https://correria.blogfolha.uol.com.br Mon, 19 Nov 2018 15:21:45 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Príncipe das galáxias https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/11/19/principe-das-galaxias/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/11/19/principe-das-galaxias/#respond Mon, 19 Nov 2018 15:21:45 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/11/IMG_0942-320x213.jpg https://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=197 Doutor Drauzio Varella, gênio da raça, já descreveu com a precisão habitual a sensação de acordar e correr:

“Digo por experiência própria. Há 20 anos corro maratonas, provas de 42 quilômetros que me obrigam a levantar às cinco e meia para treinar. Tenho tanta confiança na integridade de meu caráter, que fiz um trato comigo mesmo: ao acordar, só posso desistir de correr depois de vestir calção, camiseta e calçar o tênis. Se me permitir tomar essa decisão deitado na cama, cada manhã terei uma desculpa. Não há limite para as justificativas que a preguiça é capaz inventar nessa hora. Ao contrário do que os treinadores preconizam, não faço alongamento antes, já saio correndo, única maneira de resistir ao ímpeto de voltar para a cama. O primeiro quilômetro é dominado por um pensamento recorrente: ‘não há o que justifique um homem passar pelo que estou passando’. Vencido esse martírio inicial, a corrida se torna suportável. Boa mesmo, só fica quando acaba. Nessa hora, a circulação inundada de endorfinas traz uma sensação de paz celestial, um barato igual ao de drogas que nunca experimentei.”

Pura verdade, Doutor. É exatamente isso, começar a correr é mesmo um martírio. O cérebro mandando parar, quer dizer, sugerindo nem começar. E a gente lutando contra. Mas o martírio pode ser supremo caso… esteja chovendo. Cá para nós, é uma desculpa e tanto. Olhar pela janela e ver o ricochete dos pingos permite negociação, parece razoável adiar o treino molhado por uma sessão seca no dia seguinte. Várias vezes fiz esse acordo comigo e, na maioria, cumpri a segunda parte.

Só que tem dia que não dá. Falta agenda. É na chuva ou nada. Nessa segunda-feira chuvosa de novembro, me coloquei em sinuca. Iria viajar, não teria buracos na agenda, precisava treinar. E calcei os tênis torcendo para que a chuvinha desse uma trégua ao menos no início do trote. Porque fazem a total diferença os primeiros minutos de aquecimento. Começar seco, suar e depois tomar um chuvisco por cima é algo até agradável. Mas tomar uma ducha com o corpo frio, logo sentir os pés encharcados, entra na “categoria martírio” do Doutor Drauzio. Martírio premium, martírio master, inferno.

Só que há o outro lado, no caso, o do paraíso. Vencido o treino, planilha cumprida, viramos campeões. Era só um exercício físico, mas a sensação é de batalha épica terminada. Vencemos. Lutamos contra o dragão da preguiça matinal e espetamos nele a lança da perseverança. Como é mesmo aquela expressão das galáxias? Isso, depois de encarar um treino chuvoso, a gente se torna o príncipe das galáxias.

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Nova York sem apagão https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/11/08/nova-york-sem-apagao/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/11/08/nova-york-sem-apagao/#respond Thu, 08 Nov 2018 17:20:00 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/11/fe9ae20c-a3ff-4f85-9841-24964145b049-320x213.jpg https://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=194 Já escrevi sobre isso, o tema é mesmo fascinante. Primeiro corríamos prestando atenção nos minutos e segundos. Era o relógio no pulso e as pernas fazendo força para irem mais rápido. Depois, nos ensinaram que era preciso ficar de olho nas batidas do coração. Os frequencímetros passaram a balizar nossas provas e treinos. Pois a última “moda” da corrida é se guiar pela potência. Nada de minutos por quilômetros, batidas por minuto do coração, a conversa passa ser em watts de potência.

Quem me apresentou ao assunto foi o médico mineiro Marcos Cruvinel. Além de ótimo amador, capaz de maratonas abaixo de 3 horas, Cruvinel é um estudioso. Curioso de tudo. Sempre procurando melhorar sua performance, pesquisou, treinou e correu sua primeira maratona sem prestar atenção na velocidade. Planejou a Maratona de Nova York no domingo passado em watts. Ele mesmo conta essa incrível experiência:

Não importa se é a primeira ou a centésima. Tampouco se o seu objetivo é apenas cruzar a linha de chegada antes do tempo limite ou obter um tempo específico. Como quarenta e dois quilômetros é quilômetro pra chuchu, ao alinhar na largada, todo maratonista precisa ter um plano. Não há como largar correndo como se não houvesse o quilômetro 42. Não há como largar passeando como se não houvesse um relógio na linha de chegada.

Pensar essa estratégia de prova sempre foi algo que me tirou da zona de conforto. Largar rápido demais é pagar um preço muito alto no final. Se largar devagar demais, não tem como diminuir o prejuízo depois. Mas o que é rápido demais? O que seria muito devagar? Confiar na sensação de esforço nunca me convenceu. No início, tudo são flores, no final, é tudo espinho. Conversas e mais conversas com treinador e amigos. Leitura de vários textos em revistas, blogs e sites. Mas, principalmente, depois de quebrar muito a cara, cheguei a um método que se mostrou eficaz. Primeiro passo: estabelecer o tempo alvo para prova baseado nos treinos realizados. O segundo é simples de falar, difícil de executar. Correr no ritmo desejado do inicio ao fim. O mais regular possível. Foi assim, um olho no relógio e outro no asfalto, que alcancei meus objetivos nas maratonas de Chicago, Buenos Aires e Amsterdam. Até que apareceu Boston.

O percurso, cuidadosamente elaborado pelo tinhoso, faz com que essa estratégia se transforme num plano do Cebolinha para capturar o Sansão das mãos da Mônica. Correr em qual ritmo nas descidas? Qual esforço fazer nas subidas? Larguei duas vezes em Boston cheio de dúvidas. Foi tentando achar respostas para este dilema que trombei, sem querer, com um medidor de potência para o corredor. Instrumento habitual ao ciclista, está sendo introduzido ao corredor nos últimos tempos.

Numa ultra simplificação, o que ele faz é quantificar seu esforço. O resultado aparece na tela do seu relógio em watts. No plano, você faz um esforço para correr a determinada velocidade. Numa subida, você fará mais esforço para correr na mesma velocidade. A ideia é se basear não mais na velocidade, e sim na potência. O sujeito determina, baseado nos treinos, qual potência alvo para prova, vai lá e tenta correr naquela potência o mais regular possível.

Adquiri o bichinho e passei a treinar com ele. Com treinos, treinos e mais treinos feitos sempre de olho no ritmo, foi necessário tirar essa informação da tela do relógio. Pronto, agora não sabia mais em qual ritmo estava correndo. Só a potência que estava sendo gerada. E assim foi por um ano e meio, tempo que separou a Maratona de Boston 2017 da Maratona de Nova York 2018.

Desembarquei em Nova York com uma estratégia em mente, iria correr a determinados watts da largada a chegada. Pensava em 255 watts de média. Na feira da maratona, dei uma sorte e bati um papo com um dos diretores técnicos do Stryd, o medidor de potência que uso. Contei a ele meu plano de prova, ele deu uma olhada nos meus treinos e falou: You’re not gonna make it. Em tradução bem livre, não vai rolar, parceiro.

Depois de um susto inicial, ouvi as explicações. Meu plano estaria ótimo caso a prova fosse plana. A demanda muscular nas subidas e descidas de Nova York gera um desgaste que cobra seu preço no final. Ele sugeriu então que eu ajustasse para baixo meu alvo, talvez em 250 watts.

No quatro de novembro, um dia perfeito para correr, lá fui eu. Um olho no relógio, outro no asfalto. Só que desta vez o relógio só me mostrava duas informações, potência e tempo. No início foi frustrante, todo mundo me passando. Tinha a nítida sensação que poderia estar correndo bem mais rápido do que estava. Veio a marca da meia maratona e com ela a segunda das quatro pontes que castigam na Maratona de NY. Um pouco mais adiante, outra ponte. Não demorou muito e o que era fácil foi ficando cada fez mais difícil, até ficar dificílimo. Aconteceu justamente o que o boca maldita do diretor previu: fadiga muscular.

Não fosse ter ajustado o plano e não fosse a paciência na primeira metade, teria quebrado miseravelmente. Ao final, cruzei a linha de chegada com aquela sensação maravilhosa de ter feito o meu melhor para aquele dia. Nem 1 watt a mais, nem 1 watt a menos.

Meu amigo médico Marcos Cruvinel completou a Maratona de Nova York em 3h06 minutos. O medidor de potência registrou 247,3 watts de média, praticamente o planejado. Quem conhece o complicado percurso sabe que 3h06min em Nova York representam uma prova abaixo de 3 horas em qualquer maratona plana como Berlim ou Chicago. Sim, deu certo, muito certo.

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Campanha pelo desarmamento… nas pistas https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/10/31/campanha-pelo-desarmamento-nas-pistas/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/10/31/campanha-pelo-desarmamento-nas-pistas/#respond Wed, 31 Oct 2018 14:44:11 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/IMG_2409-320x213.jpg https://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=191 Chega de tiros. Vamos viver em paz. Ninguém aguenta mais violência. Insuportável essa sensação de pânico pouco antes do primeiro tiro. É difícil até precisar quando vai doer mais. Se a dor mais aguda é pela ansiedade do que acontecerá na sequência ou se no momento do balaço.

Estou firme na campanha pelo desarmamento. Chega de tiros na planilha. É muito sofrimento. Conheço toda a teoria dos treinos intervalados. Tudo faz sentido, sei. Se estipula uma distância curta que pode variar de 50 metros a 1 quilômetro e sebo nas canelas. Um tempo para se recuperar e mais uma vez o tormento. E outra, e outra. Para aumentar nossa velocidade, aumentamos a frequência de passadas, fazemos muito mais força. É mais energia, mais sangue e mais oxigênio para os músculos. O corpo absorve a carga de treinamento e na próxima sessão estará apto para desafios mais exigentes.

Para corredores de longas distâncias (de 5 km até a maratona) como eu, tudo parece fazer menos sentido. Para que ser mais rápido se, no fundo, eu quero ser mais resistente? Mas os desgraçados dos tiros funcionam, sobretudo quando encaixados em uma planilha lógica que preveja evolução sem riscos de sobrecarga e lesões. Ficamos mais rápidos, claro, mas principalmente mais resistentes. Uma série semanal de tiros de 500 metros pode ser extremamente útil para uma maratona, acredite.

Sei de tudo isso. Mas o final de um treino intervalado bem feito é o que existe de mais próximo da morte. Falta ar, dói tudo. Vai passar depois. Só que na hora, não parece que vai passar depois.

Quando terminei hoje minha oitava série de tiros de 500 metros prometi que começaria imediatamente a campanha pelo desarmamento da planilha. Chega de tiros!

Até que eu me inscreva na próxima maratona e queira, como sempre, uma boa performance, posso assegurar:

É verdade esse bilete.

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Chicago confirma o grande ano das Majors https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/10/08/chicago-confirma-o-grande-ano-das-majors/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/10/08/chicago-confirma-o-grande-ano-das-majors/#respond Mon, 08 Oct 2018 16:20:37 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/IMG_2386-320x213.jpg https://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=188 O mundo das maratonas também tem o seu Grand Slam. Como no tênis (Abertos da Austrália, Roland Garros, Wimbledon e Nova York), são os grandes eventos que atraem a elite do esporte. No caso das maratonas, são as Majors, seis provas distribuídas ao longo do ano (Tóquio, Boston, Londres, Berlim, Chicago e Nova York).

Há uma premiação para os corredores que mais pontuam no conjunto das provas mas, ao contrario do tênis, não há como estar em todas. A maratona é cruel, desgastante. Na elite, a maioria dos corredores escolhe duas maratonas ao longo da temporada e tenta dar o melhor nas duas. Ao contrário do tênis também, nós, amadores, também podemos participar da festa. Até gostaria de bater uma bolinha no saibro de Roland Garros, só que eu precisaria nascer de novo para isso. No tênis, o palco é para os artistas profissionais. Nas maratonas, podemos dividir o asfalto com os caras. A única diferença é que eles largam um pouco antes e chegam muito antes.

As principais maratonas também são transmitidas nos canais esportivos por assinatura. Aí tem uma diferença, porém. Os jogos de tênis são palpitantes, a cada poucos segundos uma bola surpreendente pode fazer a gente soltar um palavrão da poltrona. Maratonas são, preciso admitir, monótonas. Demoram. Mais de duas horas, um-dois, um-dois, um passo após o outro. Em grande parte da prova, a turma corre em pelotões quase como se fosse um treino. Poucas ultrapassagens, poucas “fugas” de atletas tentando se desgarrar do pelotão.

Só que, de vez em quando, as maratonas nos reservam grandes histórias. Como em 2018, que ano espetacular. Em Berlim, tivemos uma inacreditável quebra de recorde mundial. Em Boston, um japonês amador venceu a prova. No domingo, 7 de outubro, tivemos uma enorme Maratona de Chicago disputada metro a metro até o final com a vitória do inglês Mo Farah.

Antes de mais nada, é necessário uma breve explicação sobre Mo Farah. Nascido na Somália, o atleta é bicampeão olímpico nos 5000 e nos 10000 metros. Encantou o mundo com arrancadas nas últimas voltas nos Jogos de Londres e Rio de Janeiro. Recebeu da Rainha da Inglaterra o título de “Sir”, resolveu se tornar gigante também nas maratonas. Só que o sucesso das pistas não veio tão rápido nas ruas como se esperava. Estreou em Londres em 2014 com um oitavo lugar. Esse ano, tentou de novo em Londres e ficou em terceiro. Pouco para um “Sir” das pistas. Pois em Chicago 2018 ele conseguiu. E com requintes de bondade. Suas 2h05min11 significaram o recorde europeu e o coroamento na maratona de alguém que já era gênio nos 5000 e 10000 metros.

Boston em abril já tinha sido uma prova especialmente emocionante. Uma frente fria enrijeceu atletas profissionais e amadores. Congelou performances em geral. Só que o amador Yuki Kawauchi, funcionário de uma escola no Japão, aproveitou o ritmo mais lento da prova e resistiu no pelotão da frente. Venceu em 2h15min58 surpreendendo a todos.

Em setembro, mais uma prova incrível. Não pela disputa em si, afinal o queniano Eliud Kipchoge liderou a Maratona de Berlim de ponta a ponta sem ser ameaçado. Seu duelo, porém, foi mesmo contra a história. Campeão olímpico na Maratona do Rio de Janeiro, o queniano tentava quebrar o recorde mundial da distância. Aos 33 anos, sabia que a ampulheta da performance descarregava os últimos grãos de areia. Kipchoge pulverizou o recorde anterior com suas 2h01min39 e fez até quem não gosta de corrida soltar palavrões da poltrona. Ainda falta uma Major para encerrar a temporada de 2018. O que Nova York pode reservar em 4 de novembro? Quem será o personagem principal? Qual grande história poderemos ter? Sugiro ficar de olho. Nunca se sabe.

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O sarrafo no céu https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/09/28/o-sarrafo-no-ceu/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/09/28/o-sarrafo-no-ceu/#respond Fri, 28 Sep 2018 21:35:24 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/IMG_2378-320x213.jpg https://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=184 A sensação é a do turista que desembarca no aeroporto de uma cidade estranha com pouco dinheiro no bolso. Faz as contas, acha que dá para pagar o táxi. Quando chega ao destino, o motorista informa que não vale o que está expresso no taxímetro. Tem bandeira dois, e aí, para pagar…

Pois a Maratona de Boston fez isso com a gente. Na quinta-feira, 27 de setembro, avisou o mundo da corrida que está cobrando bandeira dois, quer dizer, quase uma bandeira 3. Não se trata do valor da inscrição, mas de algo muito mais caro para quem pratica esporte amador: desempenho.

Para ter o direito de participar da mais longeva maratona do planeta, é preciso bom desempenho anterior em alguma maratona homologada pela Federação Internacional de Atletismo. Há uma tabela informando os tempos mínimos para cada faixa etária de homens e mulheres. Não bastasse esse muro para escalar, há um outro sarrafo para passar: como faltam vagas para tantos interessados, a organização da Maratona de Boston estabeleceu o tal do “cut off”, uma nota de corte mais exigente. E, no dia 27 de setembro, a notícia foi que para ter o direito de correr Boston em abril de 2019 cada atleta precisaria ter corrido uma maratona 4min52 abaixo da rigorosa tabelinha.

Não se trata de sadismo. O espírito de Boston é esse mesmo. E por isso ela é tão desejada. A prova completou 122 anos valorizando a excelência. Uma maratona para os melhores corredores amadores em cada faixa de idade. Para participar da brincadeira, é preciso levar a sério todo o ciclo de treinamento. A organização recebe o volume de inscrições e checa os tempos de maratonas anteriores informados pelos atletas. Só depois disso o “cut off” é definido. Se há, digamos, mil vagas na categoria “homens entre 40 a 45 anos” e 1.500 se inscreveram, os 500 mais lentos desse pelotão vão bailar. E o tempo real de qualificação, nesse hipotético caso, não será mais “abaixo de 3h25”, e sim “abaixo de 3h20min08”.

ÍNDICE PARA CORRER BOSTON

O fator que mais influencia a nota de corte é o desempenho dos atletas nas provas em que há mais qualificados para Boston. As quatro “maiores fornecedoras” em volume (não em percentual) de classificados para Boston são a própria Boston, Chicago, Nova York e Filadélfia. Esquentou nessas provas e o tempo médio caiu? É bem provável que a nota de corte para a maratona de Boston do ano seguinte também caia. Boston 2018 esteve perto da catástrofe. Temperatura perto do zero, chuva, vento, umidade altíssima. A performance geral despencou, havia a expectativa de que a nota de corte fosse mais camarada. Engano. A procura por Boston aumentou demais nos Estados Unidos e no resto do mundo. Mesmo com os desempenhos piores de Boston 2018, o sarrafo subiu para inéditos 4min55, o maior desde que a organização passou a adotar o critério em 2013.

Cheguei ao meu limite para conseguir o índice e participar da edição 2017 da prova. Um feito que valeu até o livro “Boston, a mais Longa das Maratonas” que escrevi após oito anos tentando a “maratona perfeita”. Estava pensando em tentar de novo em alguns anos, quando mudo de categoria e o tempo exigido ficaria mais factível. Não sei não. Do jeito que vai, o sarrafo vai ser colocado tão alto que não vou nem enxergar onde ele está.

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Somos mais maratonistas do que supomos https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/09/21/somos-mais-maratonistas-so-que-supomos/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/09/21/somos-mais-maratonistas-so-que-supomos/#respond Fri, 21 Sep 2018 20:14:27 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/IMG_2367-320x213.jpg https://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=177 Más notícias, meu amigo. Aquela desculpinha esfarrapada de que você não pode correr porque, afinal, não foi feito para correr talvez não passe de uma… desculpinha esfarrapada. A descoberta é de pesquisadores da Universidade de San Diego, na Califórnia. O grupo de cientistas, liderado pelo médico molecular Ajit Varki, descobriu que a espécie humana se beneficiou de uma importante modificação genética ocorrida provavelmente há dois ou três milhões de anos quando saía da floresta para caçar nas savanas. O gene mutante em questão, o indecifrável CMP-Neu5Ac Hydroxylase (que foi carinhosamente abreviado para CMAH), é o responsável por nos transformar em quase fundistas naturais. A consequência dessa mutação é a elevação dos níveis de oxigênio para os músculos em atividade, aumentando a resistência e reduzindo a fadiga muscular geral. Em outras palavras, somos animais corredores, sim.

Muitas adaptações fisiológicas ajudaram a tornar os humanos preparados para a corrida de longa distância (a evolução das pernas longas, a capacidade de suar, por exemplo) contribuíram para aumentar nossa resistência. Mas, com a descoberta do gene modificado, os pesquisadores acreditam que “encontraram a primeira base molecular para essa mudança incomum em humanos”, segundo Ajit Varki, que viu os resultados de seu trabalho publicados em meados de setembro na Inglaterra na Royal Academy Publishing, um respeitável ponto de encontro da comunidade científica mundial (http://rspb.royalsocietypublishing.org/content/285/1886/20181656).

Nos últimos 20 anos, Varki e sua equipe de pesquisa usaram camundongos para conectar a mutação a outros impactos no corpo humano. Foi usado um grupo controle de roedores com o gene regular codificado e um grupo de camundongos com a mutação semelhante à humana. Os pesquisadores compararam como os ratos correram em uma esteira em forma de roda gigante antes e depois do “treino”. Os camundongos com a mutação CMAH poderiam correr mais e mais rápido, algo como 12% mais rápido e 20% mais longe. Após os testes em esteira, Ellen Breen, cientista pesquisadora em fisiologia de San Diego, examinou os músculos dos camundongos e descobriu que aqueles com a mutação não se cansavam tão rapidamente como os ratos comuns. Além disso, os roedores que não possuíam o gene CMAH usavam o oxigênio de forma mais eficiente no nível celular e tinham mais capilares fornecendo oxigênio para os músculos. Nem sabíamos, mas quando descemos das árvores para caçar nas savanas já estávamos nos preparando para se inscrever na próxima maratona. Talvez falte vontade, sobrem desculpas, mas nossos genes já estão prontinhos para a correria.

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Mulheres com asas https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/09/10/mulheres-com-asas/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/09/10/mulheres-com-asas/#respond Mon, 10 Sep 2018 13:52:51 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/IMG_2338-320x213.jpeg https://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=172 Hoje pego carona no voo alheio. Quem escreve é a leitora Ana Luiza Castro. Não há o que reparar ou acrescentar. Linda história que ela compartilhou comigo e eu compartilho aqui:

“Temos uma equipe de corrida, mas somos diferenciadas… e humildes também (risos). Mas, sem falsa modéstia, a turma é muito bacana e virou uma grande família. Somos mais de 150 Mulheres com Asas, sim, a equipe tem esse nome. WomenWithWings, ou WWW, como foi carinhosamente apelidado.

Na nossa família, temos corredoras experientes e até vencedoras de provas, maratonistas que fazem Majors e provas por todo mundo, mas temos muito mais que isso. Temos mulheres que venceram o câncer e na corrida, nos intervalos de tratamento, se equilibravam novamente.

Temos Dona Maria, uma senhora com seus mais de 70 anos (faxineira até hoje) que só completa a sua longa jornada após realizar seus treinos. Temos mãe de família com três filhos e um “especial”, que encontra a paz quando calça seus tênis. Eu poderia ficar muitas horas aqui escrevendo cada história linda que eu escuto toda vez que uma aluna aproxima sua asinha da minha. Tenho o privilégio de escutar, treinar e acolher todas estas mulheres que se dizem muito mais fortes desde que entraram nossa equipe.

Queria humildemente, com as “histórias do WWW” (https://womenwithwings.wordpress.com/), sugerir aos leitores uma corrida mais despretensiosa, sem paces maravilhosos, sem índices a serem conquistados e marcas pessoais a serem batidas (não podemos achar que só isso é importante), apenas humanizar este lindo esporte. E, principalmente, trazer para todos os leitores que a corrida é, SIM, para todos. Sei que você tem um público que leva a sério o esporte (eu sou uma delas, estou indo para Berlim tentar bater meu tempo na Maratona) mas eu acho que há um vasto número de pessoas (a maioria) que quer correr apenas com um simples objetivo: ser feliz.”

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Furacão Kathrine segue forte 50 anos depois https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/08/15/164/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/08/15/164/#respond Wed, 15 Aug 2018 15:55:12 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/08/IMG_6334-320x213.jpg https://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=164 A cena correu o mundo. Antes de falar especificamente dela, porém, é recomendável relembrar o contexto. Os Estados Unidos ardiam em brasas nos anos 60. Guerra do Vietnã, luta pelos direitos civis, uma discussão intensa sobre liberdades. Negros querendo ser, simplesmente, gente. Mulheres exigindo as mesmas oportunidades dos homens. Em meio a tudo isso, a maratona de Boston seguia acontecendo normalmente… apenas com homens. A maratona mais tradicional do mundo começou em 1897 e em 1967, na sua 70º edição, seria disputada… apenas por homens.

O regulamento não era específico, não falava sobre o sexo dos atletas. Mas todos entendiam os códigos não escritos. Maratona era coisa de macho. Mulheres não eram capazes de correr 42 quilômetros. Sexo frágil, sexo débil. Os conceitos de então. E se uma mulher tentasse a inscrição ela receberia uma resposta óbvia: lamento, lady, mulheres não são admitidas em Boston.

Isso até uma jovenzinha de 20 anos, que estudava e treinava em Syracuse (no estado de Nova York) se encantar com as histórias de seu treinador de atletismo Arnie Briggs. Kathrine Virginia Switzer encasquetou que queria correr Boston. Não aceitou as ponderações de seu treinador alertando que Boston não aceitaria. E, influenciada também pelos ídolos da literatura que se apresentavam pelas iniciais (J.D. Salinger, T.S. Eliot), se inscreveu “sem gênero” como K.V. Switzer.

Para encurtar a história, Kathrine foi “encontrada” no quilômetro 3 pelo diretor da prova. O valentão Jock Semple desceu do ônibus de jornalistas e tentou retirá-la da prova arrancando o número de peito 261. O namorado de Kathrine deu um encontrão no diretor de prova e eles seguiram na prova. Os jornalistas fotografaram a cena. Katrhrine, mesmo assustada, completou a prova em 4h20min. A foto do empurrão correu o mundo. Uma mulher havia desafiado o sistema. O feito de Kathrine abriu uma discussão sobre direitos femininos no esporte. Boston precisou se render e permitiu a participação de mulheres a partir de 1972.

Ouvi pela primeira vez essa história em 2012, quase por acaso. Não conhecia a palestrante, e fiquei encantado por ela, e por Boston. Decidi que tentaria correr a maratona de Boston. Por casualidade, consegui o índice (é necessário ter corrido uma maratona anterior em tempos específicos para cada faixa etária) para a edição de 2017. Justamente a que comemorava 50 anos de tudo. E a mesma prova que teria uma sorridente senhora de 70 anos largando com o número 261 no peito. Kathrine não só largou como terminou sorrindo em 4h44min.

A história de Boston e a minha história para chegar a Boston viraram livro. “Boston, a mais longa das maratonas” tem 17 capítulos, mas o 5º é o que mais me toca. O “Furacão Kathrine”, de uma certa forma, resume tudo. Pioneirismo, perseverança, emoção, está tudo lá. Tenho poucos ídolos na vida, mas K.V. Switzer é certamente um deles.

Por isso, recebi algo apreensivo o convite para um evento com ela em São Paulo. Sua patrocinadora Adidas reuniu uns poucos para ouvi-la e depois trotar no Parque do Ibirapuera. Presenteá-la com um exemplar e pedir um autógrafo no meu livro era o mínimo a fazer. Mas ela fez mais. Com um sorriso gigante, pediu que eu traduzisse palavras, me abraçou, me fez gaguejar. E, pela primeira vez, me dei conta do seu grande feito.

Achava que a façanha de Kathrine havia sido desafiar o sistema e bagunçar a praia masculina. Não, esse foi só o ponto de partida. Ela teve a “sorte” de ser agredida por um homem e a cena ter sido fotografada por muitos. A história poderia acabar por aí. Só que Kathrine mudou seus próprios planos. Queria ser jornalista, decidiu que seria uma transformadora. Entendeu que a corrida transforma.

Nos 50 anos seguintes, se dedicou a sorrir, abraçar e, eventualmente, fazer os outros gaguejarem. Primeiro, como atleta, venceu a Maratona de Nova York. Após atazanar a organização de Boston para a inclusão de mulheres, atacou em outras frentes. A pressão bateu no Comitê Olímpico Internacional que, a partir de 1976, incluiu a maratona feminina nas Olimpíadas. Kathrine não parou, jamais. Pegou a corrida como instrumento para o empoderamento feminino, criou sua ONG, passou a organizar provas para mulheres, corre o mundo fazendo isso desde então. Não se cansa de contar a sua história. Sabe que, no final, deixa os cérebros alheios piscando. “Rapaz, é possível, se ela conseguiu, também consigo”. E faz tudo sempre sorrindo.

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Cerimônia de maratona https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/05/29/cerimonia-de-maratona/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/05/29/cerimonia-de-maratona/#respond Tue, 29 May 2018 13:29:45 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/f68d994b-16d0-44dc-8a24-8a7650b37f82-320x213.jpg http://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=160 A turma que frequenta o Quiosque do Russo na Barra da Tijuca talvez estranhe. Na próxima sexta-feira, um povo diferente vai tomar conta do pedaço. Alguns com sotaque arretado do Ceará, mais especificamente da terra de Padim Cícero, Juazeiro do Norte. Outros com acento gauchesco. Apesar das diferenças, todos pertencentes a uma mesma tribo, a dos corredores.

No centro das atenções, Kelma Alcântara, uma personal training de 34 anos, e o administrador Sandro Decker, de 48 anos. Eles se conheceram em 2014 quando o gaúcho foi trabalhar na indústria calçadista de Juazeiro. Corredor, Sandro logo se enturmou na Corcha, os Corredores da Chapada Araripe. Não demorou muito para se engraçar com Kelma, uma corredora forte de trilhas. O namoro podia ser abalado por razões profissionais já que Sandro precisou voltar para a industria calçadista de Novo Hamburgo. A distância, porém, teve o efeito contrário e apressou a decisão: sim, casamento, mas onde fazer a festa?

Foi quando o casal se deu conta de que os melhores amigos estariam todos na Maratona do Rio de Janeiro no próximo fim de semana. A maioria, aliás, para o desafio de correr a meia maratona no sábado e a maratona no domingo. Pronto, pretexto para ampliar o desafio e começar tudo na sexta-feira numa celebração um tanto original… no quiosque do Russo.

O horário do casamento fugirá dos padrões, 11 horas da manhã. Os trajes serão, digamos, livres. Camisa social, camiseta, calça, bermuda, tênis, chinelo, não há regras. Cerca de 40 convidados, todos os padrinhos e madrinhas são maratonistas. Feita a festa, dormir cedo para as provas de sábado e domingo. Kelma e Sandro não devem pegar tão pesado quanto de costume. Ela, já na estreia, mandou um 3h55 na maratona de Porto Alegre. Ele, que já tem 14 maratonas nas costas, cravou 3h25min também em Porto Alegre. Dessa vez, pretendem desacelerar. Ela de véu, ele de gravata, ainda há tempo para decidir o figurino. Certo mesmo serão os sorrisos. Não é sempre que duas almas gêmeas têm a chance de se encontrar e de se divertir na vida.

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A estética do frio https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/05/23/a-estetica-do-frio/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/05/23/a-estetica-do-frio/#respond Wed, 23 May 2018 11:33:01 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/IMG_2003-320x213.jpg http://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=156 Conversa entre irmãos.

— Resolvi correr hoje. Corri às cinco pra fugir do frio.
— Eu também. Corri às cinco. Mas às cinco da manhã…

O primeiro irmão sou eu, em uma passagem por Porto Alegre para lançar o livro “Boston, a mais longa das maratonas”. O segundo irmão é o professor Filipe, que só tem a primeira beirada da jornada para botar sua corridinha em dia. Correr tão cedo para ele não é uma opção, é o que dá. Na minha rotina maluca, com dias geralmente diferentes uns dos outros, encaixo os treinos combinando vários fatores. Prefiro correr cedo, não excessivamente cedo. Algo como sete da matina é o ideal. Só que, por esses dias, Porto Alegre anda oferecendo algo como sete graus de temperatura no meu horário preferencial. Por isso, realoquei meu treino para o fim da tarde, com o último solzinho do dia aquecendo o corpo, aí já mais próximo dos 16 graus. Melhor.

Melhor, mas fiquei com inveja do meu irmão. Ele saiu, sabe-se lá como, do conforto das cobertas, calçou o tênis e partiu para o trote pelo centro de Porto Alegre cedíssimo. Isso que é treino, pensei eu, sem saber o motivo da admiração. Aí me lembrei de um texto do músico pelotense Vítor Ramil chamado “A estética do frio”. Recomendo, eis aqui (http://www.vitorramil.com.br/textos/Vitor_Ramil_-_A_Estetica_do_Frio.pdf). É sobre um certo fascínio que muitos gaúchos têm pelas “coisas do frio”. Geada, chimarrão, blusas quentes, vinho, há uma beleza nisso tudo. A impressão é que no frio todos ficam mais elegantes. Os gaúchos vibram quando as temperaturas despencam. Disfarçam, “bah, amanhã vai fazer três graus, que horror”. Mas comemoram, se orgulham desse momento europeu do ano.

Desde pequeno me identifico com isso. Até os 20 anos, tinha ido uma única vez a São Paulo e Rio de Janeiro. Mas já tinha dado um jeito de viajar quatro vezes para Buenos Aires. O texto do Vítor Ramil resgata aspectos históricos e aborda, claro, o lado mais artístico do fenômeno. Ele se conectou com uma série de músicos argentinos e uruguaios como Jorge Drexler nesse movimento cultural chamado “A estética do frio”.

Tudo parece fazer o maior sentido. Menos a inveja pelo treino do meu irmão que passou um frio desgraçado.

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