Correria https://correria.blogfolha.uol.com.br Mon, 19 Nov 2018 15:21:45 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Chicago confirma o grande ano das Majors https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/10/08/chicago-confirma-o-grande-ano-das-majors/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/10/08/chicago-confirma-o-grande-ano-das-majors/#respond Mon, 08 Oct 2018 16:20:37 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/IMG_2386-320x213.jpg https://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=188 O mundo das maratonas também tem o seu Grand Slam. Como no tênis (Abertos da Austrália, Roland Garros, Wimbledon e Nova York), são os grandes eventos que atraem a elite do esporte. No caso das maratonas, são as Majors, seis provas distribuídas ao longo do ano (Tóquio, Boston, Londres, Berlim, Chicago e Nova York).

Há uma premiação para os corredores que mais pontuam no conjunto das provas mas, ao contrario do tênis, não há como estar em todas. A maratona é cruel, desgastante. Na elite, a maioria dos corredores escolhe duas maratonas ao longo da temporada e tenta dar o melhor nas duas. Ao contrário do tênis também, nós, amadores, também podemos participar da festa. Até gostaria de bater uma bolinha no saibro de Roland Garros, só que eu precisaria nascer de novo para isso. No tênis, o palco é para os artistas profissionais. Nas maratonas, podemos dividir o asfalto com os caras. A única diferença é que eles largam um pouco antes e chegam muito antes.

As principais maratonas também são transmitidas nos canais esportivos por assinatura. Aí tem uma diferença, porém. Os jogos de tênis são palpitantes, a cada poucos segundos uma bola surpreendente pode fazer a gente soltar um palavrão da poltrona. Maratonas são, preciso admitir, monótonas. Demoram. Mais de duas horas, um-dois, um-dois, um passo após o outro. Em grande parte da prova, a turma corre em pelotões quase como se fosse um treino. Poucas ultrapassagens, poucas “fugas” de atletas tentando se desgarrar do pelotão.

Só que, de vez em quando, as maratonas nos reservam grandes histórias. Como em 2018, que ano espetacular. Em Berlim, tivemos uma inacreditável quebra de recorde mundial. Em Boston, um japonês amador venceu a prova. No domingo, 7 de outubro, tivemos uma enorme Maratona de Chicago disputada metro a metro até o final com a vitória do inglês Mo Farah.

Antes de mais nada, é necessário uma breve explicação sobre Mo Farah. Nascido na Somália, o atleta é bicampeão olímpico nos 5000 e nos 10000 metros. Encantou o mundo com arrancadas nas últimas voltas nos Jogos de Londres e Rio de Janeiro. Recebeu da Rainha da Inglaterra o título de “Sir”, resolveu se tornar gigante também nas maratonas. Só que o sucesso das pistas não veio tão rápido nas ruas como se esperava. Estreou em Londres em 2014 com um oitavo lugar. Esse ano, tentou de novo em Londres e ficou em terceiro. Pouco para um “Sir” das pistas. Pois em Chicago 2018 ele conseguiu. E com requintes de bondade. Suas 2h05min11 significaram o recorde europeu e o coroamento na maratona de alguém que já era gênio nos 5000 e 10000 metros.

Boston em abril já tinha sido uma prova especialmente emocionante. Uma frente fria enrijeceu atletas profissionais e amadores. Congelou performances em geral. Só que o amador Yuki Kawauchi, funcionário de uma escola no Japão, aproveitou o ritmo mais lento da prova e resistiu no pelotão da frente. Venceu em 2h15min58 surpreendendo a todos.

Em setembro, mais uma prova incrível. Não pela disputa em si, afinal o queniano Eliud Kipchoge liderou a Maratona de Berlim de ponta a ponta sem ser ameaçado. Seu duelo, porém, foi mesmo contra a história. Campeão olímpico na Maratona do Rio de Janeiro, o queniano tentava quebrar o recorde mundial da distância. Aos 33 anos, sabia que a ampulheta da performance descarregava os últimos grãos de areia. Kipchoge pulverizou o recorde anterior com suas 2h01min39 e fez até quem não gosta de corrida soltar palavrões da poltrona. Ainda falta uma Major para encerrar a temporada de 2018. O que Nova York pode reservar em 4 de novembro? Quem será o personagem principal? Qual grande história poderemos ter? Sugiro ficar de olho. Nunca se sabe.

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O sarrafo no céu https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/09/28/o-sarrafo-no-ceu/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/09/28/o-sarrafo-no-ceu/#respond Fri, 28 Sep 2018 21:35:24 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/IMG_2378-320x213.jpg https://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=184 A sensação é a do turista que desembarca no aeroporto de uma cidade estranha com pouco dinheiro no bolso. Faz as contas, acha que dá para pagar o táxi. Quando chega ao destino, o motorista informa que não vale o que está expresso no taxímetro. Tem bandeira dois, e aí, para pagar…

Pois a Maratona de Boston fez isso com a gente. Na quinta-feira, 27 de setembro, avisou o mundo da corrida que está cobrando bandeira dois, quer dizer, quase uma bandeira 3. Não se trata do valor da inscrição, mas de algo muito mais caro para quem pratica esporte amador: desempenho.

Para ter o direito de participar da mais longeva maratona do planeta, é preciso bom desempenho anterior em alguma maratona homologada pela Federação Internacional de Atletismo. Há uma tabela informando os tempos mínimos para cada faixa etária de homens e mulheres. Não bastasse esse muro para escalar, há um outro sarrafo para passar: como faltam vagas para tantos interessados, a organização da Maratona de Boston estabeleceu o tal do “cut off”, uma nota de corte mais exigente. E, no dia 27 de setembro, a notícia foi que para ter o direito de correr Boston em abril de 2019 cada atleta precisaria ter corrido uma maratona 4min52 abaixo da rigorosa tabelinha.

Não se trata de sadismo. O espírito de Boston é esse mesmo. E por isso ela é tão desejada. A prova completou 122 anos valorizando a excelência. Uma maratona para os melhores corredores amadores em cada faixa de idade. Para participar da brincadeira, é preciso levar a sério todo o ciclo de treinamento. A organização recebe o volume de inscrições e checa os tempos de maratonas anteriores informados pelos atletas. Só depois disso o “cut off” é definido. Se há, digamos, mil vagas na categoria “homens entre 40 a 45 anos” e 1.500 se inscreveram, os 500 mais lentos desse pelotão vão bailar. E o tempo real de qualificação, nesse hipotético caso, não será mais “abaixo de 3h25”, e sim “abaixo de 3h20min08”.

ÍNDICE PARA CORRER BOSTON

O fator que mais influencia a nota de corte é o desempenho dos atletas nas provas em que há mais qualificados para Boston. As quatro “maiores fornecedoras” em volume (não em percentual) de classificados para Boston são a própria Boston, Chicago, Nova York e Filadélfia. Esquentou nessas provas e o tempo médio caiu? É bem provável que a nota de corte para a maratona de Boston do ano seguinte também caia. Boston 2018 esteve perto da catástrofe. Temperatura perto do zero, chuva, vento, umidade altíssima. A performance geral despencou, havia a expectativa de que a nota de corte fosse mais camarada. Engano. A procura por Boston aumentou demais nos Estados Unidos e no resto do mundo. Mesmo com os desempenhos piores de Boston 2018, o sarrafo subiu para inéditos 4min55, o maior desde que a organização passou a adotar o critério em 2013.

Cheguei ao meu limite para conseguir o índice e participar da edição 2017 da prova. Um feito que valeu até o livro “Boston, a mais Longa das Maratonas” que escrevi após oito anos tentando a “maratona perfeita”. Estava pensando em tentar de novo em alguns anos, quando mudo de categoria e o tempo exigido ficaria mais factível. Não sei não. Do jeito que vai, o sarrafo vai ser colocado tão alto que não vou nem enxergar onde ele está.

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Furacão Kathrine segue forte 50 anos depois https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/08/15/164/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/08/15/164/#respond Wed, 15 Aug 2018 15:55:12 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/08/IMG_6334-320x213.jpg https://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=164 A cena correu o mundo. Antes de falar especificamente dela, porém, é recomendável relembrar o contexto. Os Estados Unidos ardiam em brasas nos anos 60. Guerra do Vietnã, luta pelos direitos civis, uma discussão intensa sobre liberdades. Negros querendo ser, simplesmente, gente. Mulheres exigindo as mesmas oportunidades dos homens. Em meio a tudo isso, a maratona de Boston seguia acontecendo normalmente… apenas com homens. A maratona mais tradicional do mundo começou em 1897 e em 1967, na sua 70º edição, seria disputada… apenas por homens.

O regulamento não era específico, não falava sobre o sexo dos atletas. Mas todos entendiam os códigos não escritos. Maratona era coisa de macho. Mulheres não eram capazes de correr 42 quilômetros. Sexo frágil, sexo débil. Os conceitos de então. E se uma mulher tentasse a inscrição ela receberia uma resposta óbvia: lamento, lady, mulheres não são admitidas em Boston.

Isso até uma jovenzinha de 20 anos, que estudava e treinava em Syracuse (no estado de Nova York) se encantar com as histórias de seu treinador de atletismo Arnie Briggs. Kathrine Virginia Switzer encasquetou que queria correr Boston. Não aceitou as ponderações de seu treinador alertando que Boston não aceitaria. E, influenciada também pelos ídolos da literatura que se apresentavam pelas iniciais (J.D. Salinger, T.S. Eliot), se inscreveu “sem gênero” como K.V. Switzer.

Para encurtar a história, Kathrine foi “encontrada” no quilômetro 3 pelo diretor da prova. O valentão Jock Semple desceu do ônibus de jornalistas e tentou retirá-la da prova arrancando o número de peito 261. O namorado de Kathrine deu um encontrão no diretor de prova e eles seguiram na prova. Os jornalistas fotografaram a cena. Katrhrine, mesmo assustada, completou a prova em 4h20min. A foto do empurrão correu o mundo. Uma mulher havia desafiado o sistema. O feito de Kathrine abriu uma discussão sobre direitos femininos no esporte. Boston precisou se render e permitiu a participação de mulheres a partir de 1972.

Ouvi pela primeira vez essa história em 2012, quase por acaso. Não conhecia a palestrante, e fiquei encantado por ela, e por Boston. Decidi que tentaria correr a maratona de Boston. Por casualidade, consegui o índice (é necessário ter corrido uma maratona anterior em tempos específicos para cada faixa etária) para a edição de 2017. Justamente a que comemorava 50 anos de tudo. E a mesma prova que teria uma sorridente senhora de 70 anos largando com o número 261 no peito. Kathrine não só largou como terminou sorrindo em 4h44min.

A história de Boston e a minha história para chegar a Boston viraram livro. “Boston, a mais longa das maratonas” tem 17 capítulos, mas o 5º é o que mais me toca. O “Furacão Kathrine”, de uma certa forma, resume tudo. Pioneirismo, perseverança, emoção, está tudo lá. Tenho poucos ídolos na vida, mas K.V. Switzer é certamente um deles.

Por isso, recebi algo apreensivo o convite para um evento com ela em São Paulo. Sua patrocinadora Adidas reuniu uns poucos para ouvi-la e depois trotar no Parque do Ibirapuera. Presenteá-la com um exemplar e pedir um autógrafo no meu livro era o mínimo a fazer. Mas ela fez mais. Com um sorriso gigante, pediu que eu traduzisse palavras, me abraçou, me fez gaguejar. E, pela primeira vez, me dei conta do seu grande feito.

Achava que a façanha de Kathrine havia sido desafiar o sistema e bagunçar a praia masculina. Não, esse foi só o ponto de partida. Ela teve a “sorte” de ser agredida por um homem e a cena ter sido fotografada por muitos. A história poderia acabar por aí. Só que Kathrine mudou seus próprios planos. Queria ser jornalista, decidiu que seria uma transformadora. Entendeu que a corrida transforma.

Nos 50 anos seguintes, se dedicou a sorrir, abraçar e, eventualmente, fazer os outros gaguejarem. Primeiro, como atleta, venceu a Maratona de Nova York. Após atazanar a organização de Boston para a inclusão de mulheres, atacou em outras frentes. A pressão bateu no Comitê Olímpico Internacional que, a partir de 1976, incluiu a maratona feminina nas Olimpíadas. Kathrine não parou, jamais. Pegou a corrida como instrumento para o empoderamento feminino, criou sua ONG, passou a organizar provas para mulheres, corre o mundo fazendo isso desde então. Não se cansa de contar a sua história. Sabe que, no final, deixa os cérebros alheios piscando. “Rapaz, é possível, se ela conseguiu, também consigo”. E faz tudo sempre sorrindo.

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Don de sofrer https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/04/13/don-de-sofrer/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/04/13/don-de-sofrer/#respond Fri, 13 Apr 2018 17:24:21 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/04/IMG_5581-320x213.jpg http://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=133 Prepare-se, vai doer. A história que vem a seguir é dolorosa até para ler, e saiu dia desses no New York Times. Tim Don é o recordista mundial do Ironman, tem impressionantes 7h40min23 nos 3,8 km de natação, 180 km de bicicleta e 42 km correndo. Pois há seis meses, treinando para o Ironman, ele foi atropelado quando pedalava. Quase morreu. Teve a chamada “fratura do carrasco”, a ruptura da vértebra C2 que costuma ser encontrada em quem morre enforcado. Apesar da gravidade da lesão, tem jeito. Uma cirurgia é capaz de fundir as vértebras e permitir uma vida normal depois. Quer dizer, quase normal. Haveria alguma limitação na amplitude do pescoço e a carreira de atleta profissional precisaria ser interrompida. Nada tão dramático, já que ele está com 40 anos. A outra alternativa seria bem penosa. O texto ficará especialmente doído no próximo parágrafo.

Don poderia se submeter a uma “auréola”, uma dessas soluções ortopédicas com jeitinho de Idade Média. Com a palavra, o médico de Don, que falou ao New York Times. “É uma experiência miserável, mas é a melhor opção para uma recuperação completa sem limitações a longo prazo. Você pega pinos de titânio e enrosca-os no crânio, dois na frente e dois na parte de trás, e os prende a barras de metal, que prendem a um busto que você usa por três meses e não pode tirar. É tortura pura. Mas funciona.”

Doeu, mais ainda porque ele deu um jeito de treinar mesmo ainda com a auréola. O tratamento funcionou. E, depois da história doída, o desfecho. Não satisfeito em se recuperar, Don acelerou o treinamento para poder correr uma maratona. Nessa segunda-feira, o triatleta larga na Maratona de Boston, e não apenas para completar a prova. Ele pretende sentar a bota, tentará fechar a complicada maratona em 2h50 minutos, mais ou menos o que costuma fazer quando corre maratonas dentro do Ironman. Diante de um relato desses, fica difícil arrumar desculpa esfarrapada para ficar na cama e adiar o treino de logo mais.

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A mais longa https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/03/06/a-mais-longa/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/03/06/a-mais-longa/#respond Tue, 06 Mar 2018 16:42:51 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/03/Arqui-Boston-card-pre-venda3-320x213.png http://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=111 Maratonas, em tese, são todas iguais, intermináveis em seus desumanos 42 195 metros. Em tese. Na vida real, essa distância aumenta ou diminui conforme os treinos. Quanto mais bem treinado, menos longa é a maratona. Elas são diferentes ainda nos apelos, quentes, frias, planas, acidentadas. São diferentes no calor humano, umas deserticamente cruéis, outras maravilhosamente acolhedoras.

Boston, porém, é a mais longa de todas. Uma ultra sem extrapolar os 42 195 metros. Uma maratona seletiva que exige desempenhos anteriores. Para correr, não basta querer, é necessário buscar antes um índice em sua faixa de idade. Boston era a minha obsessão, briguei anos para conseguir participar. Consegui. Precisava contar essa e outras histórias dessa que é a mais incrível de todas as maratonas.

Dia 11 de abril, o livro será lançado na Livraria Cultura do Conjunto Nacional em São Paulo. Pelas 19 horas, na esquina de Avenida Paulista com Augusta, lá estarei. O livro já pode ser comprado com desconto pelo site da Editora Arquipélago (http://bit.ly/2Hb07mg). Não se trata de um guia, muito menos de um registro histórico. É um livro de histórias reais, que têm muito a ver com nossa batalha diária na perseguição dos mais variados objetivos. Demorei oito anos para poder reunir essas histórias. Deu trabalho, mas valeu, como valeu.

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