Correria https://correria.blogfolha.uol.com.br Mon, 19 Nov 2018 15:21:45 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O moralismo e a geleia na corrida https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/01/11/o-moralismo-e-a-geleia-na-corrida/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/01/11/o-moralismo-e-a-geleia-na-corrida/#respond Thu, 11 Jan 2018 13:41:27 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/01/IMG_1711-180x90.jpg http://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=70 São Silvestre, problemas na organização, pipocas, ética na corrida. Falei muito sobre isso por aqui ultimamente, escrevi até duas vezes no jornal impresso. Achei que tivesse esgotado o tema, mas o confrade Roberto Corcioli me mandou um email que pede uma reflexão a mais. Ele se referia especificamente à minha crítica aos corredores que passavam sua inscrição para outros, configurando “falsidade ideológica”.

“Caro Sérgio, na boa, se não estamos falando de profissionais – e nem também de “amadores performistas”, que buscam índices, etc -, qual é o problema de um amigo (que se vê diante de um imprevisto e não poderá correr) passar a inscrição para outro? O problema não estaria na organização das provas que, no geral, não aceitam a transferência “legal” de inscrição e tampouco o reembolso?
Duas questões me chamam a atenção: essa escalada do discurso punitivista, moralista, e a “criminalização” do sujeito, corredor amador, que participa por diletantismo e sem qualquer intenção (ou mesmo possibilidade, ante seus humildes tempos) de fraudar resultados, frente a uma defesa quase apaixonada das “organizações”, que cobram valores cada vez mais absurdos para uma prática esportiva que deveria remeter à liberdade, à simplicidade… E essa mesma lógica não se restringe ao pequeno universo das corridas de rua, claro.São os tempos que estamos vivendo. Cabe escolher para qual direção queremos correr.”

Boa, Roberto. Bem argumentado, bem defendido o seu ponto de vista. Sobre o tema da organização, sou insuspeito: há muito tempo critico a forma como a São Silvestre é organizada. Qual o problema de se passar por uma outra pessoa se isso “não prejudicaria ninguém”? Na realidade, o problema está na infinita flexibilização das regras. É uma característica latina e o brasileiro, nesse aspecto, é latino pra cacete! Adoramos adaptar regras gerais conforme nossos entendimentos individuais. O sinal está vermelho, mas não vem ninguém do lado de lá. Que mal haveria em furá-lo se não vou atropelar ninguém? Vaga de deficiente. Tem duas, está tudo lotado, qual a probabilidade de chegarem dois na hora que vou parar? E é rapidinho, não demoro.

A regra da corrida é simples. Você se inscreve, paga (caro demais, concordo, Roberto), ganha kit, número de peito, medalha. Seu nome aparecerá depois na classificação final. Quando alguém corre por outro a classificação por sexo e faixa etária se altera. Você não acha relevante isso, Roberto? Pois eu também não acho, mas e se alguém que é amador competitivo e treina o ano inteiro acha? Ele não teria o seu direito ferido? Tem gente que passa sua inscrição por camaradagem. Mas pode ter alguma sacanagem. O barrigudinho passando seu número para o amigo veloz para crescer em sua assessoria esportiva. Você acha que esses cretinos não existem? Lamento informá-lo, tem gente assim, amadores que cortam caminho também.

Outros passam a inscrição para pagar menos. Os aposentados que viram “laranjas da corrida”. É a mesma falsidade ideológica. Regras gerais servem para todos. Quanto mais as flexibilizamos, mais nos empapuçamos nessa geleia ética brasileira.

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Lei de Murphy nos pipocas https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/01/08/lei-de-murphy-nos-pipocas/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/01/08/lei-de-murphy-nos-pipocas/#respond Mon, 08 Jan 2018 04:00:51 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/01/IMG_1707-180x138.jpg http://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=67 O americano Derek Murphy é uma celebridade da corrida nos Estados Unidos. Não exatamente pelos seus feitos nas pistas, ainda que tenha sido um bom maratonista amador. Conquistou sua fama por um outro talento. Com seu blog, o “Marathon Investigation”, ele virou o terror dos picaretas da corrida.

Analisando tempos, fotos e históricos de atletas, ele detecta as mais variadas fraudes em provas de rua. Gente que corta caminho para terminar antes, atletas que trocam números de peito para melhorar resultado, são muitos os casos desmascarados por Murphy.
Ele desconfia quando percebe amadores com performances extraordinárias, checa parciais dos trechos das provas, confere fotos. Assim, se tornou um grande parceiro dos organizadores que aproveitam seu faro investigativo para banir atletas desonestos.

Derek Murphy provavelmente teria trabalho dobrado se desembarcasse no Brasil com sua obsessão pela “corrida limpa”. A fraude dos números de inscrição clonados revelada pela Folha na São Silvestre está longe de ser um caso isolado no país.

Na última edição da prova paulistana, ao menos 12 pessoas com camisetas da equipe de corrida Run Up de Sorocaba participaram da competição usando um mesmo número de inscrição: 23023. Imagens de diferentes pessoas com a mesma identificação foram postadas em comunidades de corredores amadores no Facebook.

A reportagem mostrou que não é a primeira vez que membros da equipe paulista utilizam números de identificação clonados na São Silvestre. Imagens mostram que a mesma trampa foi feita em 2014, 2015 e 2016. De uma certa forma, os penetras são tolerados no universo da corrida brasileira. Até o atleta que paga a inscrição corretamente e se dá ao trabalho de buscar o kit da prova na véspera do evento acha tudo normal. Alguns até correm lado a lado com o “pipoca” batendo papo. Acontece na São Silvestre e em todas as provas de rua pelo Brasil.

Quem se inscreve numa corrida, e eventualmente não pode participar dela, acaba cedendo seu número de inscrição para um amigo. Parece que a falsidade ideológica não é uma questão no Brasil.
A própria São Silvestre se viu numa outra cilada. Ao oferecer um desconto de 50% para atletas com mais de 60 anos, a organização acabou involuntariamente estimulando um outro golpe: o vovô se inscreve e quem corre é o netinho safadinho.

O caso da clonagem de número de peitos é patético por conter premeditação, produção, pilantragem semiprofissional. Nos espantamos com isso, mas achamos aceitável corredores pipocas dividirem espaço com quem pagou, não vemos problemas maiores nos que furam filas para se posicionar melhor na largada ou correm com um número de peito de outro nome.

Como o companheiro Murphy sugere, o brasileiro não é pior do que o americano na essência. A diferença, talvez, é que a sociedade de lá se mostra bem menos tolerante aos deslizes éticos do que a nossa.

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Pipoca gourmet https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/01/07/pipoca-gourmet/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/01/07/pipoca-gourmet/#respond Sun, 07 Jan 2018 21:25:19 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/01/IMG_1706-180x121.jpg http://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=64 O furo jornalístico foi da Folha de S. Paulo. O furo ético é geral. Corredores se deram ao trabalho de clonar um número de inscrição! A matéria foi publicada na Folha pelo repórter Fábio Aleixo e mostrava que ao menos 12 corredores da assessoria esportiva Run Up de Sorocaba participaram da São Silvestre desse ano com números clonados.

A repercussão da reportagem foi enorme a ponto de parar no Jornal Nacional da sexta-feira. Escândalo, claro. Mas a pergunta que faço: o que pegou mais? A fraude em si ou o trabalho de produção da fraude?

Todo ano um montão de gente corre a São Silvestre como pipoca. Não paga a inscrição e invade a prova roubando espaço e água de quem pagou. Esse ano, os meliantes da Run Up gourmetizaram a pipoca. Roubaram espaço e água de quem pagou só que com um número de peito bonitinho. É tudo tão diferente?

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A São Silvestre quer melhorar? https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/01/04/a-sao-silvestre-quer-melhorar/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/01/04/a-sao-silvestre-quer-melhorar/#respond Thu, 04 Jan 2018 12:56:50 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/01/IMG_1704-180x88.jpg http://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=61 Recebi uma dezena de relatos de companheiros da corrida. Há uma quase unanimidade: a edição 2017 da São Silvestre foi a melhor dos últimos anos para os amadores. Há outra quase unanimidade também: a prova continua uma zona. Seguem os congestionamentos e a clara impressão de que poderia ser melhor. Um dos relatos mais “positivos” é do confrade Fernando Mazotti:

“Serginho, larguei no pelotão azul, logo depois da elite e caminhei por apenas 50 metros. Consegui correr o percurso todo. Mas 90% dos corredores tiveram que andar muito. Sem largada em ondas isso nunca acabará. E o controle sobre a entrada no pelotão certo foi bem ruim também.”

Não vou repetir o que já escrevi. Só largada em ondas resolve o congestionamento, a divisão por pelotões de ritmo apenas atenua o problema. Mesmo com a saída em duas pistas da Paulista, não tem jeito. A entrada no túnel afunila tudo, ali a maioria absoluta precisará caminhar.

Para corrigir isso a organização precisa primeiro reconhecer que tem um problema. O fato de todos os anos muita gente querer correr não significa satisfação do consumidor. A ideia de correr no último dia do ano uma prova tradicional é tão fascinante que muitos relevam o desconforto. Nenhum corredor gosta de caminhar porque simplesmente não consegue correr.

Após o reconhecimento, é preciso agir. Planejar as ondas, explicar como elas funcionarão, checar a informação dos ritmos de corrida no momento da inscrição, fiscalizar no dia da prova para que cada um esteja no lugar estabelecido. Dá trabalho, mas quanto mais organizado tudo fica menos penetras aparecerão. Os pipocas proliferam na zona absoluta. A organização da prova bateu muito na tecla dos penetras estragando a festa. É verdade, é um problemão mesmo um galera enorme que não pagou a inscrição tomando o lugar de quem se inscreveu. Falta espaço, água, falta vergonha na cara de quem faz isso. Mas os pipocas não são a única questão da SS.

A organização quer mesmo melhorar ou está satisfeita com o lucro atual das inscrições e dos patrocínios? O mesmo raciocínio vale para a Volta da Pampulha, para a Meia Internacional do Rio, para grandes (e maravilhosas, diga-se de passagem) provas brasileiras. Dá pra melhorar, desde que se queira de verdade.

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São Silvestre integral https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/01/03/sao-silvestre-integral/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/01/03/sao-silvestre-integral/#respond Wed, 03 Jan 2018 12:59:31 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/01/IMG_1697-180x125.jpg http://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=57 Semana passada escrevi na Folha sobre a São Silvestre. Escrevi mais do que deveria, culpa minha. Não coube no papel. Aqui cabe. Mais tarde falo sobre o que se confirmou no dia da corrida e sobre o ano que vem. Lá vai o texto integral…

“A São Silvestre mudou. A largada da prova avançou 150 metros pela Avenida Paulista e acontecerá entre as ruas Augusta e Padre João Manuel. A ideia da organização é evitar que os 30 mil inscritos recebam a indesejável companhia dos “pipocas”, os penetras que pulam as grades e correm ao lado de quem pagou os 170 reais pelo kit da corrida. Com o novo ponto de largada, mais próximo ao túnel José Roberto Fanganiello Melhem, os organizadores imaginam que dificultarão a ação dos intrusos. “Era na entrada do buraco da Paulista que muita gente invadia a prova, agora teremos uma fiscalização mais forte no local. No ano passado, foi um recorde, calculamos algo entre 10 a 15 mil ‘pipocas’ roubando o espaço e a água de quem se inscreveu corretamente”, diz Marcelo Braga, assessor de imprensa da prova.

O problema da falta de água no ano passado gerou até a criação de um grupo de Facebook chamado “São Silvestre Corrida Desorganizada” que reune 296 corredores. “Criei o grupo porque todo ano tinha protesto e faltava concentrar reclamações sugestões”, diz o corredor Antonio Muk. “Vi várias pessoas passando mal ao longo da prova no ano passado. Já estava faltando água no quilômetro 5, isso é absurdo”, protesta Emerson Araújo Alves. Para Alan Fernandes, que participava pela sexta vez do evento, a edição 2016 foi a pior de todas. A organização justificou a falha pela presença forte dos “pipocas”. Os 450 mil copos de água não tiveram a velocidade necessária de reposição nos postos e esse ano o número foi reforçado para 750 mil copos.

Mesmo evitando o estouro dos pipocas em 2017, a organização não resolverá outro crônico problema da São Silvestre: a largada continuará a zona de sempre. Apenas o pelotão de elite e umas poucas centenas de atletas que se posicionam na Paulista horas antes na partida poderão dizer que correram, de fato, a São Silvestre. Os milhares demais vão caminhar espremidos nos primeiros quilômetros porque, como de hábito, a corrida congestiona. “Não tem jeito, 30 mil pessoas mais os penetras é gente demais”, afirma Braga.

A São Silvestre, de fato, é uma prova gigante, tem o mesmo número de inscritos que a Maratona de Boston. Mas em Boston não há registros de gente precisando caminhar na largada. Em Nova York, são 50 mil atletas que desenvolvem a velocidade que bem desejarem desde os primeiros metros. Não há mágica aí. Só é possível proporcionar conforto na partida se a largada acontecer em ondas. Em Boston, por exemplo, são quatro ondas de 7,5 mil corredores que ocorrem a cada 25 minutos. Dessa forma, a multidão de atletas se dispersa pelo percurso sem atropelos. “No fundo, não muito mais do que umas 300 pessoas estão preocupadas com performance. Nós temos uma espécie de onda também. O atleta informa o ritmo que pretende fazer a prova e damos pulseiras com cores diferentes para que os mais lentos não fiquem na frente dos mais rápidos. O problema é que a turma não respeita isso…”, diz Braga.

O assessor de imprensa da prova se refere aos “pelotões de ritmo” que também são utilizados nos grandes eventos. Na maioria deles, o atleta precisa informar o link de resultados de uma prova anterior feita no ritmo pretendido. E a organização checa, por amostragem, se o corredor está falando a verdade ou quer simplesmente largar na frente. Além disso, há uma fiscalização rigorosa para que cada atleta entre no espaço destinado ao seu ritmo. Na São Silvestre, isso não acontece. E mesmo se o pelotão de ritmo beirasse a perfeição, o congestionamento seguiria acontecendo. Boston, Nova York, Berlim, Tóquio, Paris, Londres já descobriram que sem largadas em ondas é impossível assegurar a fluência da corrida.

O paralelo da São Silvestre com grandes maratonas mundo afora não é um despropósito. “Mesmo acontecendo em uma data inconveniente para a maioria das famílias, todo mundo quer participar. É um caso único na América do Sul”, observa o consultor em marketing esportivo Cristiano Coelho que já foi gerente global da Nike em Running. No Brasil, de fato, não há uma grande maratona, mas a São Silvestre assume esse papel. É uma prova com tradição, 93 anos de história, o povo vai à rua e torce mesmo por anônimos. “O mais difícil para um evento é ele ser conhecido, relevante, desejado. A São Silvestre é tudo isso, mas precisa proporcionar também uma boa experiência. E não há corredor que não se irrite quando não consegue correr e precisa caminhar”, diz Andrea Longhi, criadora do Circuito Golden Four de meias maratonas pelo Brasil.

A prova toca fundo corredores e mesmo quem nunca experimentou um trote. Quem não está em São Paulo liga a televisão, enquanto o peru do dia 31 está no forno. E aí torce pelo João, pelo José João, pelo Émerson, pelo Marilson da vez. Quem corre compreende rapidamente o simbolismo. A SS representa a virada do ano e a conciliação do cidadão com a sua cidade. A cidade dos carros se rende aos pedestres. O percurso da prova é um componente do simbolismo com largada e chegada na Avenida Paulista, a avenida mas paulista da metrópole. Quem já correu sabe como é emocionante vencer a estafante subida da avenida Brigadeiro Luís Antônio, virar na Paulista, receber o incentivo de desconhecidos e ganhar um pulmão novo. Nesse momento, não há como não acreditar que o próximo ano será também de superação e vitórias.”

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