Correria https://correria.blogfolha.uol.com.br Mon, 19 Nov 2018 15:21:45 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Nova York sem apagão https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/11/08/nova-york-sem-apagao/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/11/08/nova-york-sem-apagao/#respond Thu, 08 Nov 2018 17:20:00 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/11/fe9ae20c-a3ff-4f85-9841-24964145b049-320x213.jpg https://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=194 Já escrevi sobre isso, o tema é mesmo fascinante. Primeiro corríamos prestando atenção nos minutos e segundos. Era o relógio no pulso e as pernas fazendo força para irem mais rápido. Depois, nos ensinaram que era preciso ficar de olho nas batidas do coração. Os frequencímetros passaram a balizar nossas provas e treinos. Pois a última “moda” da corrida é se guiar pela potência. Nada de minutos por quilômetros, batidas por minuto do coração, a conversa passa ser em watts de potência.

Quem me apresentou ao assunto foi o médico mineiro Marcos Cruvinel. Além de ótimo amador, capaz de maratonas abaixo de 3 horas, Cruvinel é um estudioso. Curioso de tudo. Sempre procurando melhorar sua performance, pesquisou, treinou e correu sua primeira maratona sem prestar atenção na velocidade. Planejou a Maratona de Nova York no domingo passado em watts. Ele mesmo conta essa incrível experiência:

Não importa se é a primeira ou a centésima. Tampouco se o seu objetivo é apenas cruzar a linha de chegada antes do tempo limite ou obter um tempo específico. Como quarenta e dois quilômetros é quilômetro pra chuchu, ao alinhar na largada, todo maratonista precisa ter um plano. Não há como largar correndo como se não houvesse o quilômetro 42. Não há como largar passeando como se não houvesse um relógio na linha de chegada.

Pensar essa estratégia de prova sempre foi algo que me tirou da zona de conforto. Largar rápido demais é pagar um preço muito alto no final. Se largar devagar demais, não tem como diminuir o prejuízo depois. Mas o que é rápido demais? O que seria muito devagar? Confiar na sensação de esforço nunca me convenceu. No início, tudo são flores, no final, é tudo espinho. Conversas e mais conversas com treinador e amigos. Leitura de vários textos em revistas, blogs e sites. Mas, principalmente, depois de quebrar muito a cara, cheguei a um método que se mostrou eficaz. Primeiro passo: estabelecer o tempo alvo para prova baseado nos treinos realizados. O segundo é simples de falar, difícil de executar. Correr no ritmo desejado do inicio ao fim. O mais regular possível. Foi assim, um olho no relógio e outro no asfalto, que alcancei meus objetivos nas maratonas de Chicago, Buenos Aires e Amsterdam. Até que apareceu Boston.

O percurso, cuidadosamente elaborado pelo tinhoso, faz com que essa estratégia se transforme num plano do Cebolinha para capturar o Sansão das mãos da Mônica. Correr em qual ritmo nas descidas? Qual esforço fazer nas subidas? Larguei duas vezes em Boston cheio de dúvidas. Foi tentando achar respostas para este dilema que trombei, sem querer, com um medidor de potência para o corredor. Instrumento habitual ao ciclista, está sendo introduzido ao corredor nos últimos tempos.

Numa ultra simplificação, o que ele faz é quantificar seu esforço. O resultado aparece na tela do seu relógio em watts. No plano, você faz um esforço para correr a determinada velocidade. Numa subida, você fará mais esforço para correr na mesma velocidade. A ideia é se basear não mais na velocidade, e sim na potência. O sujeito determina, baseado nos treinos, qual potência alvo para prova, vai lá e tenta correr naquela potência o mais regular possível.

Adquiri o bichinho e passei a treinar com ele. Com treinos, treinos e mais treinos feitos sempre de olho no ritmo, foi necessário tirar essa informação da tela do relógio. Pronto, agora não sabia mais em qual ritmo estava correndo. Só a potência que estava sendo gerada. E assim foi por um ano e meio, tempo que separou a Maratona de Boston 2017 da Maratona de Nova York 2018.

Desembarquei em Nova York com uma estratégia em mente, iria correr a determinados watts da largada a chegada. Pensava em 255 watts de média. Na feira da maratona, dei uma sorte e bati um papo com um dos diretores técnicos do Stryd, o medidor de potência que uso. Contei a ele meu plano de prova, ele deu uma olhada nos meus treinos e falou: You’re not gonna make it. Em tradução bem livre, não vai rolar, parceiro.

Depois de um susto inicial, ouvi as explicações. Meu plano estaria ótimo caso a prova fosse plana. A demanda muscular nas subidas e descidas de Nova York gera um desgaste que cobra seu preço no final. Ele sugeriu então que eu ajustasse para baixo meu alvo, talvez em 250 watts.

No quatro de novembro, um dia perfeito para correr, lá fui eu. Um olho no relógio, outro no asfalto. Só que desta vez o relógio só me mostrava duas informações, potência e tempo. No início foi frustrante, todo mundo me passando. Tinha a nítida sensação que poderia estar correndo bem mais rápido do que estava. Veio a marca da meia maratona e com ela a segunda das quatro pontes que castigam na Maratona de NY. Um pouco mais adiante, outra ponte. Não demorou muito e o que era fácil foi ficando cada fez mais difícil, até ficar dificílimo. Aconteceu justamente o que o boca maldita do diretor previu: fadiga muscular.

Não fosse ter ajustado o plano e não fosse a paciência na primeira metade, teria quebrado miseravelmente. Ao final, cruzei a linha de chegada com aquela sensação maravilhosa de ter feito o meu melhor para aquele dia. Nem 1 watt a mais, nem 1 watt a menos.

Meu amigo médico Marcos Cruvinel completou a Maratona de Nova York em 3h06 minutos. O medidor de potência registrou 247,3 watts de média, praticamente o planejado. Quem conhece o complicado percurso sabe que 3h06min em Nova York representam uma prova abaixo de 3 horas em qualquer maratona plana como Berlim ou Chicago. Sim, deu certo, muito certo.

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A estética do frio https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/05/23/a-estetica-do-frio/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/05/23/a-estetica-do-frio/#respond Wed, 23 May 2018 11:33:01 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/IMG_2003-320x213.jpg http://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=156 Conversa entre irmãos.

— Resolvi correr hoje. Corri às cinco pra fugir do frio.
— Eu também. Corri às cinco. Mas às cinco da manhã…

O primeiro irmão sou eu, em uma passagem por Porto Alegre para lançar o livro “Boston, a mais longa das maratonas”. O segundo irmão é o professor Filipe, que só tem a primeira beirada da jornada para botar sua corridinha em dia. Correr tão cedo para ele não é uma opção, é o que dá. Na minha rotina maluca, com dias geralmente diferentes uns dos outros, encaixo os treinos combinando vários fatores. Prefiro correr cedo, não excessivamente cedo. Algo como sete da matina é o ideal. Só que, por esses dias, Porto Alegre anda oferecendo algo como sete graus de temperatura no meu horário preferencial. Por isso, realoquei meu treino para o fim da tarde, com o último solzinho do dia aquecendo o corpo, aí já mais próximo dos 16 graus. Melhor.

Melhor, mas fiquei com inveja do meu irmão. Ele saiu, sabe-se lá como, do conforto das cobertas, calçou o tênis e partiu para o trote pelo centro de Porto Alegre cedíssimo. Isso que é treino, pensei eu, sem saber o motivo da admiração. Aí me lembrei de um texto do músico pelotense Vítor Ramil chamado “A estética do frio”. Recomendo, eis aqui (http://www.vitorramil.com.br/textos/Vitor_Ramil_-_A_Estetica_do_Frio.pdf). É sobre um certo fascínio que muitos gaúchos têm pelas “coisas do frio”. Geada, chimarrão, blusas quentes, vinho, há uma beleza nisso tudo. A impressão é que no frio todos ficam mais elegantes. Os gaúchos vibram quando as temperaturas despencam. Disfarçam, “bah, amanhã vai fazer três graus, que horror”. Mas comemoram, se orgulham desse momento europeu do ano.

Desde pequeno me identifico com isso. Até os 20 anos, tinha ido uma única vez a São Paulo e Rio de Janeiro. Mas já tinha dado um jeito de viajar quatro vezes para Buenos Aires. O texto do Vítor Ramil resgata aspectos históricos e aborda, claro, o lado mais artístico do fenômeno. Ele se conectou com uma série de músicos argentinos e uruguaios como Jorge Drexler nesse movimento cultural chamado “A estética do frio”.

Tudo parece fazer o maior sentido. Menos a inveja pelo treino do meu irmão que passou um frio desgraçado.

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Em busca do recorde https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/03/08/em-busca-do-recorde/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2018/03/08/em-busca-do-recorde/#respond Thu, 08 Mar 2018 15:40:49 +0000 https://correria.blogfolha.uol.com.br/files/2018/03/IMG_1781-320x213.jpg http://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=115 Não vai ser fácil. Não mesmo. Na minha 13ª maratona, vou tentar o recorde. Aos 51 anos, ir em busca de marcas pessoais parece não ser uma boa ideia. O tempo passa, e pesa.

Nesse domingo, 11/3, largarei para a Maratona de Barcelona em busca de uma marca inédita. Precisarei me superar, fazer o que nunca consegui: segurar a onda e fazer uma primeira metade de maratona sossegada. Precisarei imprimir os mais lentos primeiros 21 km de todas as maratonas que já fiz. Acha que é fácil? Estou programado para “fazer o melhor possível” nessa primeira parte. Sempre foi assim. Em algumas das minhas maratonas, consegui equilibrar razoavelmente o esforço nas duas metades da prova. Nas outras, quebrei no final. Mas em todas corri forte na primeira metade, em um ritmo próximo ou abaixo de 5 minutos por km.

Pois pra Barcelona, agora, isso seria um desastre. No ciclo de preparação, me machuquei, precisei parar pra tratar de uma contratura no posterior. Treinei pouco, escassas sessões de velocidade, não passei de 40 km semanais na média dos últimos meses. É pouco para quem se propõe a encarar uma maratona.

Estou mal preparado, ponto. E é evidente que, se não segurar o ritmo, a quebra vai se dar muito cedo. Preciso encarar Barcelona na primeira metade com respeito e cautela. Imagino que 5min15 seja um ritmo possível. Isso, faltava a palavra. Preciso fazer a maratona “possível” e, nesse caso, o possível é ser mais lento do que sempre fui na primeira metade. Na segunda parte, a mais dura, veremos o que sobra de combustível. A meu favor, um trajeto razoavelmente plano e temperatura que não deve passar de 16 graus. Veremos.

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“Forevis Young” https://correria.blogfolha.uol.com.br/2017/12/11/forevis-young/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2017/12/11/forevis-young/#respond Mon, 11 Dec 2017 11:01:47 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=35 Ninguém quer envelhecer, a luta pela eterna juventude é também eterna. As armas é que são constantemente renovadas. Botox, fibras de colágeno, elastina, hidratantes noturnos, cremes, cirurgias plásticas. O arsenal é gigante. E o objetivo é travar o processo mais inevitável que conhecemos. Vamos ficar mais velhos, a musculatura, mais flácida, não tem jeito.

Parecer mais jovem é um valor e tanto hoje em dia. Nada contra quem tenta parecer mais jovem, mas que tal trocar ou acrescentar um novo verbo nessa questão? Que tal mudar a frase, que tal “tentar se sentir mais jovem”? Há uma diferença entre parecer e se sentir. Parecer é para os outros. É a nossa imagem externa. Se sentir é nosso, é pessoal e intransferível. Quem faz atividade física regularmente, quem nada, corre, pedala, sabe do que estou falando. Quem consegue estabelecer uma boa rotina de treinos acaba evoluindo. Em um dia os 5 km de trotes saem penosos, doídos. Meses depois, o sujeito está completando sorrindo uma meia maratona. Que sensação é essa? Não é se sentir mais jovem?

É claro que a opinião dos outros conta. Precisamos de um referendo externo, o elogio geralmente faz bem. Nossa, que pele macia, que cabelo lindo, é tudo positivo. Mas a sensação de bem estar pode ser ainda mais poderosa. E aí não tem química que ajude, não tem um produto externo milagroso. É com a gente mesmo. Um, dois, um, dois… Treino, suor e recompensa. A recompensa pode até ser um elogio, “nossa, que tanquinho”, ou um “puxa, como você está em forma”. Bacana, elogios nunca são demais. Mas acordar e enxergar no espelho um sujeito mais bem disposto vale demais. Mesmo que a imagem do espelho não seja necessariamente de alguém mais jovem, mas simplesmente de alguém melhor.

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Se vira nos 30, amigo! https://correria.blogfolha.uol.com.br/2017/12/01/se-vira-nos-30-amigo/ https://correria.blogfolha.uol.com.br/2017/12/01/se-vira-nos-30-amigo/#respond Fri, 01 Dec 2017 14:34:30 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://correria.blogfolha.uol.com.br/?p=25 Nunca me dei conta das semelhanças, mas Copa do Mundo é mesmo uma espécie de maratona. Para quem nunca experimentou, a maratona é uma corridinha de 12 quilômetros que tem uns 30 km de aquecimento. Para quem não sabe, nós, os humanos, não fomos feitos para correr mais do que 30 quilômetros. É o nosso limite, um pouco mais, um pouco menos, dependendo da pessoa.

Qualquer um, até o cunhado que não sai do sofá, pode correr até uns 30 quilômetros se treinar adequadamente. Para depois dos 30, é preciso mais. Alguma aptidão específica, treinamento sério e, principalmente, muita cabeça. É o cérebro implorando para parar com essa bobagem. É o cérebro lembrando a cada músculo que humanos não foram feitos para correr mais do que 30 quilômetros. Dá pra completar a maratona, muitos completam todos os anos e em todas as partes do planeta. Só que é difícil pacas.

A Copa do mundo é assim. Difícil pacas. Só uns poucos a vencem. Não basta ser bom e querer. É necessário ter cabeça, vencer o nervosismo. No futebol, a expressão “cabeça” está relacionada à tradição do país, à “camisa”. Tanto que apenas oito países levantaram a taça desde 1930.

Nesta sexta-feira, primeiro de dezembro, temos sorteio do Mundial da Rússia para definir os grupos da primeira fase. Muita gente dá uma enorme importância a essa primeira fase quando as 32 seleções são distribuídas em oito grupos. Bobagem. A primeira fase equivale aos primeiros 30 quilômetros da maratona. Assim como o longo processo das Eliminatórias representa toda a fase de treinos do maratonista.

Se a maratona não passa de uma corridinha de 12 quilômetros, a Copa do Mundo de verdade também pode ser resumida a partir das oitavas de final quando os confrontos de mata-mata definem quem segue adiante. Ali sim, o jogo começa. Não basta ser bom e estar bem treinado. É necessário “ter cabeça”, estar focado, querer demais.

Quem exagera o ritmo nos 30 quilômetros iniciais corre o risco de não ter fôlego e cabeça para os 12 finais. As seleções que se empolgam demais e se embriagam com o sucesso na primeira fase podem não ter energia para encarar os confrontos a partir das oitavas. O paradoxo disso é que não se pode também relaxar demais nos 30 quilômetros iniciais assim como não se pode bobear na fase de grupos da Copa. Só ganha a medalha da maratona quem sobrevive aos 30. Na Copa, para chegar aos mata-matas, é preciso se virar nos 30 da primeira fase. Mas o jogo só começa depois…

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